sábado, 8 de maio de 2010

Lembrar Sempre, Esquecer Jamais



Kseniya Simonova faz arte de animação com areia. Aqui uma performance que realizou no programa Ucraine's Got Talent. Fazendo animação com a areia ela narrou as dores do povo ucraniano na Segunda Guerra Mundial, um erro estratégico do camarada Stalin que levou o exército nazista a ficar cerca de 50 km de distância de Moscou.
A admirável reação do povo soviético numa luta desigual com o melhor e mais poderoso exército do mundo, a um custo terrível de vidas humanas, reverteu a invasão e contribuiu de forma decisiva para mudar o curso do conflito a favor dos Aliados. Para termos uma idéia do tamanho dessa tragédia, só do lado soviético calcula-se que tombaram 11 milhóes de pessoas, ou seja, 1/4 da população do país.
A originalidade da performance da artista ucraniana rendeu-lhe em 2009 o prêmio de $75,000,00, além da divulgação de sua arte em extensão inimaginável. A notícia foi repercutida pelos principais jornais e no vídeo disponibilizado pelo You Tube já foi acessado por quase 2 milhões, dentre as quais a menina Débora que me ensinou a dica.
Bem a propósito da inspiração de Simonova, no dia 30 de abril último, o término da Guerra do Vietnã completou exatos 35 anos. Lembro eu, pré-vestibulando, assistindo na TV as cenas dramáticas da queda de Saigon, quando os EUA retirou seus últimos marines da embaixada e deixou ao aliado Vietnã do Sul o encargo de render-se sem imposição de condições ao exército comunista do Vietnã do Sul. Apesar da importância desse conflito para a história política e militar do século XX, a data passou em brancas nuvens na mídia e na blogosfera brasileira.
Essa estúpidez belicista que durou 13 anos, revelou que o exército norte-americano além do incendiário napalm usava como arma de guerra o Agente Laranja, um desfolhante reconhecidamente perigoso tanto para o meio ambiente quanto para a saúde humana. Para avaliarmos o absurdo do ato bélico, calcula-se que 83 milhões de litros de Agente Laranja foram borrifados sobre as florestas do Vietnã e do vizinho Laos, em concentração 180 milhões de vezes acima do nível de segurança recomendável!
Nesses termos, nem seria de espantar que o emprego do herbicida tenha contaminado cerca de 3 milhões de pessoas, das quais um milhão sofreram graves problemas de saúde. Entretanto as consequências desse crime de guerra não pararam por aí. A pior foi sem dúvida a capacidade do Agente Laranja provocar defeitos congênitos, o que legou aos vietnamitas uma segunda e uma terceira geração de crianças com mal-formações tão ou mais graves que as provocadas pela exposição descuidada a Talidomida.

4 comentários:

Val-André Mutran  disse...

O Flanar é cultura.
Parabéns companheiro, pela interessante e instigante abordagem do tema.

Rz disse...

Morei alguns anos no sopé das montanhas Aurès, a poucos quilômetros do deserto do Saara. Paisagem grandiosa e cheia de história. Os romanos, por exemplo, ali deixaram várias marcas, como uma base militar e caminhos íngremes escavados nas montanhas. Marcas ainda mais antigas continuavam presentes como as habitações berberes, algumas delas aproveitando diretamente as reentrâncias naturais formadas nas milenares rochas locais. Tudo era um verdadeiro deslumbramento, ainda mais para uma nativa da planície amazônica que nunca imaginara o que poderia ser montanha e deserto!
Mas havia uma coisa estranha. As estações se sucediam e a paisagem da região do cume dos Aurès permanecia a mesma! Árvores acinzentadas, completamente desfolhadas, pareciam feitas de pedra! O aspecto geral da floresta por onde circulei durante quatro estações seguidas lembrava um "décor" lúgubre onde quase não se ouvia o canto dos pássaros. No início, esse estranho silêncio me agradara muito. Mas, pouco a pouco, a paz que ele pretensamente transmitia foi substituída por um sentimento difuso de angústia e de profunda tristeza. Os argelinos com quem eu convivia quase nunca evocavam os episódios da guerra colonial. Muito menos os franceses. E ali, bem na minha frente, estava o que constituía o assunto mais delicado entre eles, um verdadeiro tabu: as árvores jaziam pétreas por causa do napalm que o exército francês jogara nos Aurès, foco de ferrenha resistência dos mujahidin argelinos durante os estertores da guerra da Argélia. Não me lembro de ter lido em meus livros de história menções a essa barbaridade e a tantas outras cometidas pelos franceses na Argélia.
Restou desse episódio a confirmação de alguns dos princípios mais firmes recebidos durante minha formação como ser humano: o de nunca aceitar a banalidade da violência - qualquer violência - e considerar toda guerra absolutamente estúpida e anti-vida.

Itajaí disse...

Rz,
Adorno, evidentemente chocado com a verdade, questionou-se quanto a ser possível escrever poesia depois de Auschwitz. Mas, o cerne da inquietação do filósofo, não estava decerto ligada as imagens chocantes da Solução Final. Decerto o que lhe nauseava era exatamente haver percebido que a Humanidade ultrapassara os limites entre o terror que praticara em épocas pretéritas - Napoleão, por exemplo - e adentrara o inferno de produzi-lo em escala, como política de estado e operava mecanismos da psicologia das massas, conferindo escala e banalização dos seus maléficos resultados.
Exemplos não nos faltam desde então. Violência é espetáculo nessa sociedade, que é absorvida e reprocessada velozmente por seus agentes culturais, e por esse reprocessamento acaba-se por falsear seu nexo histórico em nome de torná-la uma "commoditie" cultural... É muita gente se perde nesse nevoeiro que é tipicamente um produto do século XX, quando as forças econômicas e de mercado, fortalecidas por avançõs tecnológicos de mundialização, alcançaram enorme poder. Portanto, sempre que falamos de violência, recomenda a prudência que o façamos sempre numa perspectiva da moral para a história.
Teu depoimento, RZ, me fez imaginar o cneário. Tão belo quanto desconcertante. Avalio que deves ter feito muitas fotografias sol a pino das árvores congeladas pelo napalm francês. Ao luar, o cenário decerto seria gótico e assustador.
Gr.abs

Rz disse...

Bom, eu sou uma amante da fotografia que raríssimas fotos faz!
Guardo tudo na memória e alguns amigos e familiares têm as longas cartas que eu me danei a escrever para tentar compreender a enxurrada de novidades que eu vivi nessa época.
Sabe que fiquei com vontade de voltar a esses guardados?
Abs cordial, Rz
P.s.: boa lembrança de Adorno. Pensei também em H. Arendt. Creio que a Arte e a Poesia sobrevivem à barbárie, justamente por serem parentas do que restou lá no fundo da caixa de Pandora.