quarta-feira, 9 de junho de 2010

Anote aí

Normalmente trato de questões jurídicas no meu outro blog, mas como reservo a estes minhas elucubrações políticas, segue um breve vaticínio.
Comecemos com a ementa de um acórdão do Supremo Tribunal Federal. Notem que a decisão foi proferida no último dia 4 de maio, portanto há um mês e cinco dias.

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL. PRISÃO ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO DA CONDENAÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. RÉU RESPONDEU AO PROCESSO EM LIBERDADE. APELAÇÃO EXCLUSIVA DA DEFESA. REFORMATIO IN PEJUS. RECURSO PROVIDO. 1. Esta Suprema Corte firmou entendimento no sentido de ser inidônea a decretação de prisão preventiva fundamentada apenas nos maus antecedentes do réu, mormente quando respondeu ao processo em liberdade, como ocorre no caso. Precedentes. 2. O Plenário do Supremo Tribunal Federal entendeu, por maioria, que "ofende o princípio da não-culpabilidade a execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, ressalvada a hipótese de prisão cautelar do réu, desde que presentes os requisitos autorizadores previstos no art. 312 do CPP" (HC 84.078/MG, rel. Min. Eros Grau, 05.02.2009, Informativo STF 534). 3. A decisão que determinou a prisão do ora recorrente não se encontra fundamentada nos pressupostos que autorizam a segregação cautelar prevista no art. 312 do Código de Processo Penal. 4. Ocorrência de reformatio in pejus na espécie, na medida em que houve piora na situação do réu que respondeu a todo o processo em liberdade, e o Tribunal Estadual, ao julgar a apelação interposta exclusivamente pela defesa, negou provimento ao recurso e determinou sua prisão imediata, sem que tenham surgidos fatos novos. 5. Recurso provido.
(STF, 2ª Turma - RHC 100973/SP - rel. Min. ELLEN GRACIE - j. 4/5/2010 - DJe-096 DIVULG 27-05-2010 PUBLIC 28-05-2010 EMENT VOL-02403-04 PP-01134)

Refiro-me então à condenação do ex-deputado Luiz Afonso Sefer a 21 anos de reclusão, por delitos sexuais contra uma criança. A sentença decretou o imediato recolhimento à prisão de Sefer, o que decerto deixará a magistrada prolatora da decisão muito bem perante a opinião pública. Ocorre que o réu respondeu ao processo em liberdade e, por isso, deverá permanecer em liberdade até o trânsito em julgado da decisão, a menos que algum fato novo e concreto ocorra. Por enquanto, não existe fato novo algum.
A consequência? Impetração de habeas corpus, que acabará sendo concedido pelo Tribunal de Justiça do Estado, que assim ficará muito mal perante a opinião pública. Como o povão não entende lhufas de lei, Direito Penal, processo e congêneres, as interpretações rasteiras ficarão no nível do "toma-te" e do "eu-sabia-ele-tem-dinheiro-então...".
Explicar às pessoas por que o Supremo Tribunal Federal firmou essa jurisprudência é tarefa inútil. Exige mais do que afinidade com a matéria: exige uma boa vontade (de compreensão, não de concordância, porque nem sequer é unânime a tal jurisprudência) absolutamente incondizente com o brasileiro médio.
Então anote aí: o decreto prisional contra Sefer será cassado. Se não pelo TJE, sem a menor dúvida pelo STJ. E o povão dará o seu veredito, que já sabemos qual é.

6 comentários:

Francisco Rocha Junior disse...

Caro,
Antecipei esta situação em outro post aqui do blog e em comentários aos blogs da Franssinete Florenzano e da Rita Soares.
Realmente, o difícil é o leigo entender a tecnicalidade da questão. Mas, convenhamos, o Judiciário, apesar de tomar uma decisão coerente sob o ponto de vista estritamente técnico, continuará pagando por séculos de ineficiência e descúria em sua atividade. O julgamento da opinião pública é em razão do conjunto da obra, digamos assim.
Abraço.

Francisco Rocha Junior disse...

Yúdice,
Um esclarecimento: na verdade, meus comentários foram sobre a libertação do Taradão. Porém, cabe perfeitamente ao caso do Luiz Sefer.

Prof. Alan disse...

É a nossa Suprema Corte, dando seu aval à ideia de que no Brasil compensa ser bandido...

Anônimo disse...

CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA
CAPÍTULO I - PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
Art. 6° - O médico deve guardar absoluto respeito pela vida humana, atuando sempre em benefício do paciente. Jamais utilizará seus conhecimentos para gerar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano, ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade.
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O artigo se aplica apenas quando a vítima é paciente? E num casos desses em que o condenado agiu como agiu, vale a sociedade ainda lhe reconhecer o direito de praticar a medicina?
Com a palavra quem entende do assunto, o Prof. Yúdice Randoll.

Yúdice Andrade disse...

Francisco, tudo está ocorrendo dentro do previsto.

Professor, não penso exatamente assim, mas compreendo que se chegue a essa conclusão. O sentimento de inconformismo é mesmo inevitável.

Das 22h44, não posso dizer que seja quem entende do assunto, mas posso ao menos esclarecer que Sefer, de acordo com a acusação julgada procedente contra ele, não agia na condição de médico, e sim de mero particular, portanto não se lhe aplicaria o Código de Ética Médica.
Para essas condutas, valem os códigos de ética (se assim se quiser chamar) representados pelas leis civis, que deveriam espelhar os sentimentos da sociedade, em dado momento histórico. E foi o que aconteceu: Sefer foi alcançado pelo Código Penal, ainda que muitos senões se possa levantar quanto à eficácia dessa medida.
Em minha opinião, o código ético mais importante de todos deveria ser o comportamento de cada cidadão. Como muito bem escreveu o Val-André em postagem acima (http://blogflanar.blogspot.com/2010/06/aos-que-acreditam-na-propria-mentira.html), as pessoas se confraternizam com os criminosos poderosos, com os ricos e influentes, por mais calhordas que sejam. Não há como eles desejarem mudar de vida, se tudo para eles é proveito. Seria diferente se seus nomes fossem execrados pelas pessoas que compõem os seus círculos de convivência. Se fossem declarados personae non grati em seus clubes, associações, vizinhanças. Se seus familiares fossem repreendidos pelas roupas caras e carros de luxo que ostentam graças a dinheiro ilícito, etc.
Uma hora o crime deixaria de compensar.

Anônimo disse...

Por que o princípio da não culpabilidde nunca se aplica ao ladrão de galinha, muitos cumprindo pena até sem julgamento, só se aplica aos taradões e sefer da vida? É muita ignorância dizer "eu-sabia-ele-tem-dinheiro"?
O povão é tão ignorante assim, ou a justiça é o braço dos mais aquinhoados?