quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Plínio no País das Maravilhas

Parece que a Rede Globo deu um cala boca em Plínio de Arruda Sampaio, candidato do Psol a Presidência da República. O incidente aconteceu na manhã de hoje, quando gravava a entrevista com Fátima Bernardes e William Bonner. Plínio, já na quarta-feira, manifestava seu desconforto em ali comparecer para apenas cinco minutos de entrevista, quando outros candidatos tiveram mais de dez minutos no Jornal Nacional.
Hoje, quando fez o registro de sua indignação durante a gravação, a entrevista foi de imediato suspensa. Exigiram uma retratação de Plínio e, parece, ele não deu. Logo é incerto que assistamos o casal FBWB malinar com o candidato do Psol logo mais. No site do Jornal Nacional não há chamada para a entrevista e no site do Psol a notícia da entrevista ainda é de ontem. O clima assim é de expectativa até as 20 horas.
Quando protestou, reclamando tratamento isonômico na questão do tempo, Plínio ironizou que não se incomodava em viajar de classe econômica como a maioria das pessoas, mas não admitia que a Rede Globo criasse classe executiva para os outros candidatos serem entrevistados. Foi o suficiente para ele saber o que sentia Alice, quando ouvia o berro da rainha: Cortem-lhes as cabeças!!!

Atualizado às 20:16 hrs. Anunciado pelos âncoras do JN a entrevista com Plínio de Arruda Sampaio.

Em seguida farei meus comentários...

Foram mantidos os três minutos antes estabelecidos. Num formato micro-pocket e corretamente conduzido pelo jornalista Tonico Ferreira, a entrevista aconteceu fora da bancada do casal Bonner-Bernardes; o que, depois da trombada, sugere alguma negociação entre o comando de campanha psolista e a Rede Globo de Televisão, cuja imagem sairia bastante arranhada se mantivesse a intransigência de censurar Plínio de Arruda Sampaio no seu direito de reclamar por tratamento isonômico.
O candidato, com a tranquilidade que lhe é própria, buscou ser didático quando respondeu que há distinção entre ocupação de terras - recurso para remediar uma injustiça para qual a sociedade brasileira é insensível, ato reconhecido perante o direito, segundo ele -; e a invasão, a que não deu maior atenção, deixando no ar que seria contra esse tipo de ato a partir do contraste estabelecido, quando manifestou-se favoravelmente à ocupação.
A segunda pergunta foi referente a questão da dívida interna. De início o candidato do Psol negou que pregasse de pronto o calote, mas que isso poderia acontecer após rigorosa auditoria sobre os credores, sugerindo que pagaria aqueles considerados Ok pelos auditores. Em seguida encerrou, na medida, a entrevista com uma declaração sobre qual objetivo o sucessor de Lula deverá perseverar: tornar o Brasil um país menos desigual, de modo que possamos ter um desenvolvimento inclusivo e ético, um pouco na linha de Rawls ou de Amartya Sen, embora eu acredite que Plínio tenha reservas críticas a esses autores.
Não comentarei a distinção entre ocupações/invasões de terras rurais do ponto de vista jurídico, pois é assunto da seara dos nossos confrades advogados Francisco Rocha Júnior e Yúdice Andrade, que também é professor de Direito Penal. Entretanto, como cidadão, considero que é uma vergonha que em pleno século XXI, em um território com mais de 8 milhões de quilômetros quadrados, ainda tenhamos que conviver com colunas de brasileiros sem terra para lavrar. Essa é uma das maiores iniquidades que essa República tem reproduzido, antes favorecendo o latifúndio improdutivo do trinômio coronel-enxada-voto e agora o chamado agronegócio com seus imensos desertos de monocultura sojífera, ao modo como Gilberto Freyre comparou o ciclo da cana-de-açucar no Nordeste Brasileiro.
Poucos segmentos populacionais foram expoliados às últimas consequências, nos últimos cem anos, como o foi o trabalhador rural, que sequer tinha direito à aposentadoria nos anos 70, quando a ditadura os regularizou com o Funrural com medo do foquismo guerrilheiro no campo. Considero que nesse aspecto o governo Lula fez não o tanto suficiente em assentamentos, polícia e tribunal para reverter a grave situação que existe, especialmente com respeito ao crime organizado e a pistolagem que tem assassinado impunemente lideranças camponesas. Avançou no combate ao trabalho infantil e ao trabalho escravo; na extensão da eletrificação e da comunicação; no acesso a água potável; no fortalecimento da economia familiar do pequeno produtor, associando-a produção dos combustíveis verdes (biodiesel da mamona), e na recuperação da Embrapa, que recebera em vexatória situação pré-falimentar.
Para termos uma idéia do peso do problema agrário brasileiro, não me surpreendi outro dia quando li um relatório da consultoria européia Mapplecroft, que assinalava como maior entrave para o país evoluir no desenvolvimento, na atração dos investimentos internacionais e para consolidar seu papel proativo no cenário internacional exatamente a situação vivida no campo brasileiro, onde estão entrincheirados de um lado os deserdados do direito a terra e de outro os herdeiros das oligarquias rurais, num enfrentamento constante, silencioso, cruelmente distorcido pelos nossos meios de comunicação, mas invariavelmente sangrento para além de Eldorado dos Carajás, no Pará.
A questão da dívida interna representa uma bandeira de política econômica do Psol. Vejo, contudo, na argumentação de Plínio uma contradição, pois se eu vou auditar o serviço da dívida, logo eu vou apurar o que efetivamente já está pago, para não mais prosseguir pagando. Nesse caso, não há porque falar em calote, mas de retificação administrativa-finaceira. Daí que, no contexto, a resposta do candidato do Psol não ficou suficientemente clara sobre o que lhe foi perguntado sobre o calote na dívida interna. Por fim o candidato afirmou que, em sendo eleito, nenhuma medida afetaria o pequeno e o médio investidor, e na medida o mercado econômico, recordando que Getúlio Vargas fez auditagem da dívida brasileira em mil e novecentos e la vai bolinha e o país não sofreu maiores consequências. Sem duvidar da boa fé do candidato, eu apenas observo que a complexidade da economia brasileira de hoje não guarda qualquer semelhança com aquela do governo Vargas, distante de nós mais de 60 anos.
Quanto a conclusão da entrevista, Plínio de Arruda Sampaio foi fidelíssimo com sua história de vida e de defesa do socialismo. Sua ética impecável deve ser motivo de orgulho para nós, e especialmente para as gerações de brasileiros entre 15 e 40 anos, que alcançaram ouvir esse incansável socialista. É inegável que, a despeito do esforço realizado pelo governo Lula em seus oito anos de administração, este país ainda é um dos mais desiguais do mundo. Entretanto é preciso que na superação dessa iniquidade histórica, responsabilidade da sociedade brasileira, não permitamos que instrumentalizem por oportuno um projeto nacional de superação da desigualdade em curso, como antes buscaram fazer dela um conjunto de palavras gastas, tanto quanto aquela que corporifica a sua maior vítima - o povo -, como assinalou o saudoso Ulysses Guimarães no momento histórico em que promulgava a Constituição Federal de 1988.

Um comentário:

Yúdice Andrade disse...

Está passando neste exato momento a entrevista do candidato a um repórter e não aos apresentadores. Bonner explicou o critério objetivo definido pela emissora para definir o tempo das entrevistas. Então tá.