Depois de coisas que li e até mesmo de filmes ficcionais que vi, notadamente
O jardineiro fiel, passei a ter todos os pés atrás com a indústria farmacêutica, essa fera que apronta todas as chicanas do mundo para lucrar cada vez mais, à custa da vida e do sacrifício de milhões de pessoas no mundo todo.
O escândalo da vez é a acusação, formulada por uma médica estadunidense ligada à Universidade Georgetown, de que a indústria Wyeth (pertencente ao conglomerado Pfizer), pagaria pela publicação de artigos pseudocientíficos em revistas de renome, contendo propagandas veladas de seus medicamentos. A prática em questão não é nova, mas a acusação vem, desta vez, com destinatário certo e dados supostamente capazes de comprovar a conspiração. Abaixo, um infográfico da Folha (
aqui a reportagem), explicando como funcionaria o esquema:
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O esquema: clique para ampliar |
Como médicos já me confirmaram receber
mimos para receitar medicamentos produzidos pelo fabricante que os presenteia; como muitos só prescrevem genéricos se forem expressamente questionados sobre isso; e como para uma indústria que se utiliza de cobaias humanos miseráveis, sem o seu conhecimento, comprar artigos pseudocientíficos é uma ninharia, eu acredito na denúncia.
6 comentários:
Yúdice, este tema é delicado e pretendo comentá-lo com muito cuidado.
Para começar, como você, eu também acredito na natureza da denúncia.
Também não me surpreenderia se a mesma tivesse sido "plantada" por um grupo concorrente.
A produção científica deste setor é quase toda patrocinada por quem?
Qual o percentual de apoio às pesquisas de novas drogas dado pelos conglomerados multinacionais?
99,9 ou 100%?
Quantos milhões de dólares saem dos laboratórios para as universidades americanas anualmente?
Achar cientistas renomados de mau caráter não deve ser assim tão difícil. Assinar algo feito por um ghost-writer também não deve ser raro em outros ramos de atividade,suponho eu.
É errado, erradíssimo e uma vez comprovado terá consequências legais sérias, uma vez que há uns 2 anos os orgãos de saúde americanos estão caçando as bruxas.
E nós, que estamos na outra ponta do processo, que somos meros prescritores, como devemos agir e em quem devemos confiar? Como poderemos nos proteger e aos nossos pacientes?
Do ponto de vista prático, estudando, mantendo um fluxo regular de congressos/simpósios e consultando os periódicos sérios de nossas especialidades.
Na minha área, a neurocirurgia, há 2 bíblias e um punhado de evangelhos sérios. E só.
Prescrever remédios baseado apenas no blá-blá-blá da indústria é perigoso.
Quanto aos genéricos, eu tento evitá-los.
Que o Itajaí me corrija em caso de erro, mas no Brasil, uma vez que o lote das substâncias em questão foi aprovada na bioequivalência com a referência (no caso o "original" de marca) ele não é mais retestado.
E como o genérico pode conter de 80 a 120% da referência, eu considero que essa faixa de 40% de possível variação faz toda a diferença para drogas como anti-epiléticos e analgésicos opióides, por exemplo. Podemos oferecer sub-dosagem ou levar pacientes a níveis tóxicos destas substâncias.
Se o paciente não pode comprar ou não recebe no posto de saúde, então eu prescrevo o genérico.
Desculpe se me alonguei muito.
Um abraço.
Para começar de fato existem coisas do arco da velha na chamada Big Pharma. O jogo é pesado, mas não creio que esse caso em particular resulte de uma jogada da concorrência. Lembro que dois anos atrás houve uma denúncia comprovada de que alguns laboratórios criaram um revista fictícia em que publicavam estudos por eles financiados, sem que os autores declarassem esse conflito de interesse, como é recomendável em ética científica.
De um modo geral as autoridades tem jogado duro contra esses abusos. Revistas científicas sérias tem adotado medidas bem rigorosas com respeito a publicação de ensaios clínicos. Na maioria delas praticamente é impossível publicar resultados de pesquisa clínica cujos dados não tenham transparência e rastreabilidade, porque depositados em plataformas para registro de ensaios clínicos, onde cada pesquisa tem um numero único. O ClinicalTrials.gov é uma dessas plataformas e a OMS tem a dela, onde estão coligados outros registros situados em diferentes países. O Brasil está desenvolvendo o seu registro primário, numa plataforma vocacionada para se tornar regional. É projeto conjunto da Biblioteca Regional de Medicina (Bireme), Fiocruz, Ministério da Saúde. Prometem que em novembro estará operacional. O desejo das autoridades internacionais é que nessas plataformas fiquem registrados também as pesquisas clínicas com resultados negativos, ou seja, aquelas que contrariaram a hipótese inicial e, portanto, o interesse do financiador. De um modo geral esses ensaios são mantidos longe dos olhos da sociedade, trancado no cofre das multinacionais farmacêuticas. É claro que para dar certo essa estratégia os governos terão que ter mão firme sobre a regulação do setor. Quanto aos genéricos esclareço que os limites científicos de equivalência entre o remédio teste (candidato a genérico) e o referência, obtidos in vivo, são padrões mundiais e fazem parte da regulação nacional dos medicamentos genericos. O dois casos citados pelo Scylla são casos especiais, constituídos de medicamentos que apresentam características farmacológicas de alta variabilidade entre os indivíduos que o usam e a substituição de um pelo outro requer supervisão médica. O FDA, que desempenha o papel da nossa Anvisa, tem orientações de como os médicos devem proceder com esses medicamentos, quando decidem decidir substituir o referência pelo genérico. Na história dos genéricos há sinais nítidos de que entes do mercado buscaram desmoralizá-los.
E veja só uma questão interessante, Scylla, os caminhos da indústria farmacêutica... Nos EUA, quando um candidato a genérico é reprovado no estudo de bioequivalência, a empresa pode candidatá-lo a ser um novo referência, bastando para isso comprovar segurança e eficácia do produto mediante pesquisa clínica. De todo modo a questão dos genéricos está longe de encerrar. Eles serão o principal produto do mercado farmacêutico nos próximos anos, pois cada vez menos novas moléculas são descobertas e mais e mais patentes estarão caindo nos próximos anos. Sobrará o quê? Genéricos, novas indicações para moléculas antigas (geram patente), formulações nanotecnológicas para transporte e entrega (geram patente) e as raras moléculas inéditas (caríssimas tanto para a indústria, quanto para o bolso do consumidor).
Itajaí e Yúdice, o assunto é tão interessante e atual que merecia ser discutido ao vivo, ao lado de uma boa garrafa de vinho (de preferência, um de referência...)
Tenho só dois pontos a acrescentar à ótima explicação do Itajaí
1 - no Congresso Paulista de Neurologia de 2009, no Guarujá, um neurocientista americano cujo nome não recordo no momento explicou detalhadamente que o FDA tem verba específica para comprar aleatoriamente caixas de genéricos pelo país afora, para retestá-los periodicamente (anualmente, por exemplo). Tal atitude não é praticada no Brasil, até onde eu sei - passou, passou, e pronto.
2 - quem são e serão os maiores produtores de genéricos no mundo? As multinacionais, as mesmas que produzem as referências. Vejam o exemplo da Novartis, dona da marca Sandoz, que começou um poderoso mergulho nos similares e genéricos no mercado brasileiro. E com grande sucesso inicial de vendas.
Para terminar gostaria de repassar informação que li há uns 3 anos no jornal inglês The Times: a indústria farmacêutica seria a segunda força financeira do mundo, perdendo apenas para... o narcotráfico!
Abs.
PS: não sou contra os genéricos. Eles me parecem uma ótima opção para um país como o nosso, a Índia e a China, por exemplo.
Apenas tenho cuidado em suas indicações nas patologias com que trabalho.
Correto, Scylla.
Eu desconheço essa prática do FDA, mas vou procurar me informar. Penso inicialmente que o colega estivesse se referindo ao momento em que a validade do registro se esgota e o facricante deve reiniciar o processo.
Inicialmente as grande indústria farmaceutica, a chamada Big Pharma, olhou o negócio dos genéricos como desconfiança e hostilidade. Entretanto, hoje, manifestam interesse imenso e cobiça. Muitas delas estão comprando as empresas fabricantes de genéricos e as incorporando ao patrimônio. Para mim essa é uma prática que deve ser regulada, pois a riqueza não circula e existe sempre o risco de cartelização.
De fato o poder financeiro da Big Pharma é descomunal, possui uma rede de influências imensos, junto a pacientes, a formuladores de políticas, grupos profissionais. Nesse sentido, para terminar, a associação de estudantes de medicina dos EUA iniciou há algum tempo um amplo movimento de conscientização de seus filiados, denominado Pharma Free (Livres das Farmacêuticas ou algo assim), onde o objetivo é reduzir a influência dos fabricantes de medicamentos na prescrição médica. Nos EUA, salvo engano da memória, a proporção propagandista/médico é de 6:1!!! E tudo isso, claro, é repassado para o preço final pago pelo consumidor.
Podes te alongar o quanto quiseres, Scylla. O blog também é uma ferramenta de aprendizagem.
Compreendo a tua cautela ao abordar o assunto. Nada mais natural. Eu tenho enormes reservas para tratar de questões jurídicas, ao passo que me sinto à vontade para criticar a indústria farmacêutica.
Aguardarei o teu artigo sobre o tema. Tua alusão aos genéricos me deixou preocupado e tenho todo interesse em me inteirar melhor da questão.
Itajaí, do mesmo modo que disse para o Scylla, escreve sobre isso. Nós, leigos consumidores de remédios, precisamos saber.
PS - Alerto que, segundo dados recentes, o tráfico de seres humanos já ultrapassou o tráfico de drogas e de armas em termos de retorno econômico. Bom para a humanidade, não?
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