Vacature (em livre tradução, vaga de emprego), uma das mais lidas revistas belgas, estampou em sua última edições a primeira de uma série de reportagens sobre a máfia belgo-brasileira do setor de construção civil. O roteiro é simples, mas com desdobramentos complexos. O setor, que responde por 5 % do PIB deste riquíssimo país - coração da União Européia -, estaria até o pescoço envolvido em tráfico de pessoas, falsificação de documentos, fraudes fiscais e sociais e lavagem de milhões de euros. Há muito tempo, a Bélgica - e mais especialmente a área urbana da capital, Bruxelas - virou o destino preferido dos brasileiros de baixíssima escolaridade, oriundos em sua grande maioria de Goiás e Minas Gerais, que vêm à Europa realizar o sonho de uma vida melhor. Fala-se de dezenas de milhares. ONGs locais arriscam dizer que residem até 40 mil brasileiros ilegais na Bélgica, embora o governo belga estime em torno de 20 mil . Aqui, os brasileiros se empregam de maneira clandestina na construção civil em empresas, geralmente mantidas em nome de cidadãos portugueses. Ganham entre 5 e 7 euros (ou entre 12 e 16 reais) por hora de trabalho, quando o salário-mínimo/hora, na Bélgica, chega quase ao dobro. Na maioria das vezes fazem jornadas de até 12 horas por dia, sábados, domingos e feriados. E, em muitos casos, podem simplesmente não receber salário algum. E, se isso acontece, não têm nem a quem recorrer, uma vez que são ilegais na Europa. Ir a um tribunal de Trabalho ao ir à Polícia significa ficar até um mês num centro de detenção, antes de ser repatriado ao Brasil.
Para burlar as regras de residência de não-europeus na Bélgica, alguns empregadores recorrem à falsificação de passaportes. Se o brasileiro é tem um sobrenome de origem lusitana, uma rede de "fornecedores" em vilas do interior de Portugal, pode oferecer passaporte português. Se é um sobrenome de origem italiana, a máfia se encarrega de arranjar um passaporte italiano. E assim os brasileiros passam a "ser" europeus - que não precisam de visto para permanecer nos países que integram a União Européia. A falsificação seria mais ampla no que se refere à contabilidade. Uma rede de contadores belgas ajudaria a "esquentar" a documentação contábil para fins de imposto e controle trabalhista.
A reportagem aponta que até mesmo grandes prédios públicos foram construídos com o trabalho desses brasileiros ilegais - geralmente usados através de sub-empreiteiras. E cita exemplos do futurista Palácio de Justiça de Antuérpia, a metrópole flamenga e até de prédios da Polícia federal belga. Também as obras de megacorporações contaram com mão-de-obra brasileira ilegal, como seria o caso do banco Fortis-BNP-Paribas.
Há dois testemunhos na reportagem. O primeiro é do rapaz da foto acima (capa da revista). Ele veio de Minas Gerais e vive há 9 anos na condição de ilegal. Com esse tempo, já consegue ganhar 10 euros por hora e diz que recebe entre 1.500 e 2 mil euros por mês, trabalhando 10 horas do por dia. Ele já foi repatriado uma vez, mas conseguiu voltar e já pediu visto permanente pelo tempo que reside na Bélgica. Ainda aguarda uma decisão. A muher dele está também ilegal e trabalha como faxineira.
O segundo personagem é um brasileiro que em 2006 recorreu a uma organização contra o tráfico humano. Assim consegiu ser reconhecido como vítima e ganhou visto de permanência. O ex-explorador dele, um português , foi condenado a uma multa. Pena bem mais leve do que os 4 anos de prisão decretados contra os acusados do últimos casos levados à Justiça, envolvendo vítimas brasileiras, em fevereiro deste ano.
A revista promete a segunda reportagem da série para este segunda-feira, dia 20. Os repórteres viajaram à Goiânia, onde estaria o centro do esquema de envio de brasileiros. Ele contaria com a participação de mais de uma centena de agências de viagens.
Assim, a imprensa belga abre um debate que há muito tempo deveria estar na agenda das altas esferas verde-amarelas. Como explicar que a sétima economia do mundo, o país "da hora", comandado pelo "cara", ainda não conseguiu ser o Eldorado para seus próprios cidadãos? O que faz um brasileiro deixar parte da família e amigos para trás, se arriscar em condições de trabalho e moradia precárias em terras tão distantes? Acho que são perguntas a serem respondidas no Brasil, assim como a Bélgica tenta resolver as questões que colocam em xeque o controle fiscal e humano de suas políticas públicas.
2 comentários:
Edvan, eu desconhecia ser a Bélgica um sítio tão importante de imigração brasileira.
Como na questão das drogas, abordada recentemente aqui no Flanar pelo Roger Normando, o problema gigantesco do trabalho escravo é multifacetado e necessita de abordagem drástica por parte dos países envolvidos.
Porém, enquanto houver demanda e oferta para tal, as leis serão sempre burladas.
A prostituição praticada por brasileiras é também problema na Bélgica?
Um abraço.
Scylla, a prostituição de brasileiras na Bélgica existe, mas em escala menor com relação à França, Itália, Espanha e Holanda, por exemplo.
Postar um comentário