sábado, 22 de outubro de 2011

Vamos acabar sabendo, mesmo

Eu não gosto de Hugo Chávez. Conheço gente — gente que respeito muito, por sinal — que acredita em suas aspirações libertárias e questiona duramente quem suspeita dos objetivos do líder da revolução bolivariana. A pessoa em questão, contudo, tem tanta raiva do imperialismo americano e da forma como aquele país se conduz, em suas relações internacionais, que ouso duvidar de sua isenção ou objetividade intelectual, nesse particular.
Não sou cientista político e não possuo qualquer qualificação para examinar a matéria. Estou me arriscando numa simples opinião.
Duvido de revolucionários. E duvido mais ainda de alguém que assume a presidência de um país e, ao invés de vestir o universal terno e gravata, ou os trajes típicos de seu povo, como faz Evo Morales, faz questão de envergar uniformes militares. Pode ser trauma, talvez. Todavia, por debaixo das vestes está o homem que promoveu o maior investimento bélico das últimas décadas na América Latina, sem enfrentar, antes, o desafio de erradicar a pobreza do povo. Não é um investimento como o que está sendo feito pelo Brasil, em equipamentos que podem ser usados na segurança pública (qualquer hora escrevo sobre os investimentos da Polícia Federal), mas uma preparação para a guerra.
Acima de tudo, desconfio de qualquer pessoa que se perenize no poder, não importa o quão democrático se afirme que as suas re-eleições sejam. Eu não queria um terceiro mandato de Lula e já me incomoda o PT por 12 anos comandando o país (e teve meus votos, para isso). Isso só não me incomodaria se o governo fosse maravilhoso mas, convenhamos, isso está longe de ser o caso.
Chávez mudou a Constituição (por razões óbvias, desconfio de governantes que mudam a Constituição) da Venezuela e se permitiu não mais uma, e sim quantas re-eleições quisesse. Também conseguiu que o Congresso lhe delegasse poderes para legislar, sozinho, sobre matérias que antes exigiam leis votadas pelo Parlamento. Digam o que disserem, não posso acreditar no caráter democrático de um governo assim, ainda mais conhecendo os modos como se ganham eleições e maiorias no Poder Legislativo, em países de incipiente evolução democrática, como o nosso mesmo.
Nesse meio tempo, Chávez praticou diversos atos típicos de governos ditatoriais, como perseguição a opositores em geral, chegando ao ponto de cassar a concessão de uma emissora de TV que não rezava por sua cartilha. Ameaçou expulsar do país qualquer pessoa que falasse mal do governo, inclusive jornalistas estrangeiros. E se permitiu usufruir do habitual populismo, dos discursos vazios e encomiásticos, permeados de alusões à liberdade e de combate a um Grande Inimigo, no caso os Estados Unidos, figurinha fácil de arrebanhar antipatias.
Não, eu não gosto de Hugo Chávez.
E eis que, de repente, ele precisou se deparar com uma força contra a qual não há Exército, Legislativo, imprensa, oposição, povo ou Estados Unidos que dê jeito. Um câncer severo, um risco elevado de enfrentar a Indesejada, Aquela Que Não Marca Hora, Aquela Que Não Pode Ser Evitada. Tratamento em Cuba e mais discursos ideológicos.
Aparece então um antigo médico pessoal (ou que assim se disse) e calculou em dois anos a sobrevida do presidente, mesmo sem ter qualquer contato pessoal com ele. Supostamente, avaliou as características da doença em si e as possibilidades de tratamento. A polícia aparece e revista a casa e o consultório do tal médico. Ele foge do país com sua família, alegando medo de retaliações. Agora uma junta médica desqualifica a manifestação do suspeito e afirma que Chávez evolui de modo satisfatório, havendo boas chances de cura. Todo governante alegaria a mesma coisa. Afinal, as eleições se aproximam. É preciso angariar mais um mandato, para si mesmo ou para alguém da corriola.
Tudo cheira a conspiração. Seria o médico Salvador Navarrete um instrumento da oposição, ou dos Estados Unidos, querendo enfraquecer o governo ante a ideia da morte de seu líder e de uma clara perseguição a um homem que, supostamente, quer bem a esse homem e apenas falou a verdade? Estará o governo mentindo deliberadamente para os venezuelanos, dando esperanças de vida a um pré-moribundo?
Decerto que não saberemos a verdade por enquanto. Mas ela está lá fora. E dentro de mais ou menos dois anos pode já ter revelado a sua face.

Saudade de postar no Flanar. Queria fazê-lo com um texto maior e mais pessoal. Espero que alguém me diga se tenho alguma razão ou se apenas viajei.

8 comentários:

Scylla Lage Neto disse...

Yúdice, que bom lê-lo hoje aqui no Flanar!
Creio que apenas a evolução inexorável da patologia possa responder as suas perguntas.
A malignidade de um tumor não pode ser detida pelo dinheiro ou por atos ditatorias.
Esperemos.
Um abraço.

Yúdice Andrade disse...

Mas é exatamente isso que imagino, meu amigo. Uma hora a verdade aparecerá, seja qual for. E não adiantará discurso nem ideologia nessa hora!
Outro abraço.

Edyr Augusto Proença disse...

Verdades cristalinas, Yúdice. Também não gosto dele, chego a ter nojo. Os fatos confirmam tudo.
Abs

Anônimo disse...

Yúdice, também não gosto do Chávez, principalmente por ele ser um bravateiro de marca maior, e as evidências mostram que ele fala muito mais do que age.

Mas três coisas precisam ser esclarecidas, a bem da verdade:

1) A eleição dele foi dentro da Lei e da Constituição do país. Ocorreram sim alterações na Constituição que ampliaram o mandato de Chávez, e permitiram a reeleição uma única vez, mas a convocação da Constituinte que fez essas alterações foi submetida ao povo por plebiscito, e as alterações da Constituição feitas por essa Constituinte foram submetidas ao povo por referendo. Em ambos os casos, foram aprovadas por mais de 70% dos votantes;

2) Chávez só conseguiu alterar a Constituição e as Leis do país pra adquirir superpoderes administrativos porque a Oposição da Venezuela, nas eleições parlamentares de 2005, boicotou as eleições, numa das manobras mais burras da política mundial. Chávez governou cinco anos com Oposição zero por iniciativa da própria Oposição...

3) A proposta de reeleição sem limites foi rejeitada pela população em plebiscito, no ano de 2007, mas foi aprovada em 2009. Em ambos os casos a margem de derrota/vitória de Chávez foi pequena (1,5% em 2007 e 4,8% em 2009), o que mostra que a população está dividida e ele já não tem a força de antes.

Por fim, considero que em termos de organização política a Venezuela está um tantinho à nossa frente: o parlamento lá é unicameral (extinguiram essa excrescência que é o Senado) e os Juízes da Suprema Corte são eleitos pelo Parlamento (e não indicados pelo Presidente) para mandato de 12 anos, tal como na Suprema Corte alemã.

Lafayette Nunes disse...

Yúdice, pra mim, sabes o que é pior?

...apenas com algumas, poucas, alterações, basta trocar "Hugo Chaves", por Dilma, Lula ou FHC, que seu artigo fica a mesma coisa.

O tempora. O mores.

Luiza Montenegro Duarte disse...

Fiquei com uma dúvida boba: qual o critério de seleção do que vai pro Arbítrio e do que vem pro Flanar? Acho que já mencionaste algo sobre aqui tratares de política, mas lá, também falas! Só me lembro de uma coisa exclusiva do Flanar: carros! Ou não?

(Ah, e Direito Penal, acho que é exclusivo do Arbítrio!)

Yúdice Andrade disse...

Veremos o quanto mais confirmarão, Edyr.

Professor, agradeço profundamente os seus reparos, que ora consertam equívocos meus, ora ampliam a compreensão do que mencionei superficialmente.
De fato, esses aspectos que você mencionou não podem ser negados e ajudam os defensores de Chávez a sustentar que ele, de fato, respeita as regras democráticas. Mas eu duvido. Penso que ele se elegeu, a primeira vez, de forma lícita e derrotando uma conjuntura que lhe pudesse ser desfavorável. Mas uma vez eleito, começou a pavimentar o seu caminho com facilidades que só pode ter quem exorbita do poder. Volto a mencionar a questão da instabilidade da democracia na América Latina. Pense comigo: será que os 70% de venezuelanos quer votaram a favor dele votaram com verdadeiro conhecimento de causa?
No Brasil, gente como Sarney e Maluf sempre se re-elege. Não houve violação as regras eleitorais, mas podemos dizer que esses são, de fato, votos livres e conscientes? Acho que não. São votos típicos de um povo fragilizado. E é por isso que não acredito nessa democracia.

Engraçado, Lafayette, mas eu consigo ver diferenças. Detesto FHC, mas não o colocaria no mesmo patamar de Chávez. Se eu tivesse que escolher entre um e outro, seria FHC na cabeça, com certeza.

Luiza, não são critérios claros nem para mim. Questões jurídicas são exclusivas do Arbítrio. O consultor jurídico, aqui, é o Francisco. Lá também publico as minhas reflexões de cunho mais pessoal e as bobagens. Os editores do Flanar são muito sofisticados para eu ficar entre eles escrevendo asneiras.
Trago para cá, portanto, os temas políticos que tento desenvolver (e deixo lá as manifestações mais rasas, meras menções). Aliás, quando tento desenvolver um raciocínio mais elaborado na área da cultura, da tecnologia, venho para cá. Lá eu acabo fazendo a linha simples notícia ou simples ironia.
É mais ou menos assim, eu suponho. Em suma, aqui eu tento dissertar um pouco sobre as questões. Vamos ver se, adiante, a diferença fica mais clara.

Anônimo disse...

Concordo com você que os 70% podem ter votado sem conhecimento de causa. Mas aí não se pode atribuir à falta de apego à democracia do Chávez. Collor, Jader, Sarney, Maluf e Roriz, em todos os casos foi a mesma situação. E olhe que os casos de Jader, Sarney e Maluf são recentes, aqui no Brasil, com toda a facilidade de informação proporcionada pelos blogs independentes, lan-houses e internet...