quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Que luto é esse, companheira?

Um dia, um dia, quero ter inspiração para conseguir traduzir em palavras, nem que seja superficialmente, o que sinto quando entro naquele antigo centro clandestino de detenção, tortura e extermínio em Buenos Aires, a Ex-Esma (Escuela de Mecánica de la Armada).
Nas duas vezes que fui lá, era noite e sempre um pouco mais escuro do que eu gostaria. Me deparei com uma espécie de grande, grande bosque, com inúmeros prédios. Prédios feito as casas antigas da Cidade Velha. De pé-direito alto. Imponentes. A grama é bem aparada. As árvores são alinhadas milimetricamente, como um esquadrão.
No inverno, o frio parece que contribui com a sensação rara. As árvores são feito espigas e, boa parte delas, nuas. Sem folhas ou flores. O silêncio é desolador. Várias ruelas, bem traçadas, levam a prédios maiores e prédios menores; cada um teve uma função à época e tem outras hoje (espaços para exibição de filmes; o arquivo nacional da memória funciona lá; área para atividades artísticas diversas)
Na segunda ida, descobri a área onde se devia posicionar o pelotão diante da bandeira, porque me lembrou o Colégio Rêgo Barros, onde estudei quase a vida toda, em Belém. Mas na Ex-Esma, agora Instituto Espacio para la Memoria, já foi preso um sem-número de “subversivos”. Ali nasceu um sem-número de bebês de mulheres sequestradas pelo regime, e a maioria deles desconhece até hoje sua história de vida interrompida pela ditadura cívico-militar na Argentina. Já foram torturados e mortos, ou simplesmente “desaparecidos”.
Caminhar pela Ex-Esma é como caminhar num cemitério de filme de terror. Não gosto nem um pouquinho do gênero, apesar de gostar um bocado de cemitérios. Caminho por lá e é como se escutasse ecoar gritos de horror, de dor, de lamento, de desespero, de ódio, mesmo que o governo de Nestor Kirchner tenha desalojado o Exército de lá em 2002 e transformado a Ex-Esma num espaço de memória, de resistência e de luta.
Sempre tenho vontade de voltar lá, apesar do medo que sinto ao entrar. Fico atordoada. Acho que é por isso que preciso voltar. Ver em dia claro e sanar um pouco esta agonia. Fazer um luto de algo que não sei o que é.

2 comentários:

Scylla Lage Neto disse...

Erika, tenho a mesma sensação quando visito (geralmente levando alguém de fora) o São José Liberto e aquela cela preservada.
Me dá arrepios e sacode um lado primitivo do meu cérebro de um modo bem desagradável.
Abraços.

Erika Morhy disse...

Verdade, Scylla. É assim mesmo. Agora pense nas proporções! Aff! Abração