quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

O Libé e os ricos

Sempre digo que o Brasil ainda carrega seqüelas da longa noite da ditadura. Passados quase 30 anos da redemocratização, a imprensa saiu da mordaça política-ideológica de direita  para a mordaça político-econômica ou, talvez o inverso seja mais correto, econômico-política. Tudo é muito dissimulado. A mídia nunca sai do armário, embora vejamos todas as evidências de interesses estampadas nas capas e conteúdos das Vejas, Folhas e outros pasquins do gênero. Em alguns países, apesar das crises ideológicas depois da Queda do Muro e do "fim da História" (aqui na concepção de Hegel), ainda existem claros posicionamentos. A França, talvez seja o melhor exemplo. E isso se liga ao comportamento; Se você vê alguém carregando o jornal Le Figaro, sabe que se trata de alguém conservador, enfim, de direita. O oposto é o leitor do Libération. O jornal de esquerda, por certo, perdeu plumas depois dos anos Mitterand e da descrença nos socialistas. Mas o Libé, como é chamado, se mantém na trincheira, apesar desse lusco-fusco ideológico do século XXI.
O jornal não tem medo de dar a cara à tapa. Anteontem, por exemplo, saiu com mais uma pérola de capa (abaixo):

Gerard Depardieu, o mais famoso e bem pago ator francês é chamado Le Manneken Fisc. Trata-se de um trocadilho intrincado, que tem como fundo o fato de o ator, há pouco tempo, ter se domiciliado no pacato lugarejo belga de Néchin, perto da fronteira com a França. Tudo para escapar do novo imposto sobre fortunas, adotado pelo governo socialista de François Hollande. A capa do Libé refere-se ao Manneke Pis, a famosa estátua-chafariz de um garoto fazendo xixi, um dos símbolos de Bruxelas, a capital belga; segundo, ao fato de que o ator, no verão do ano passado, num dos aeroportos de Paris, foi "convidado" a se retirar de um avião, prestes a decolar para Dublin, porque resolveu urinar no corredor da aeronave. 
Depardieu, com uma renda anual de 2 milhões de euros, junta-se aos 2 mil e 800 milionários franceses que viraram exilados fiscais na bucólica Néchin, escapando da taxação de 75% sobre rendimentos acima de 1 milhão de euros/ano..O primeiro-ministro francês, Jean-Marc Ayrault, classificou a mudança do ator de um atittude patética. E já se fala no Parlamento francês sobre a possibilidade de perda de nacionalidade de Depardieu - aliás Chevalier Depardieu, condecorado com a Légion d'honneur (1996) e com a Ordre national du Mérite (1985), duas das maiores distinções da terra dos croissants.
Riche con
O Libé já havia gritado este ano com a movimentação dos milionários rumo à Bélgica. Em setembro, o "agraciado" foi Bernard Arnaud, o presidente do grupo LHMV (Louis Vuitton Moët Hennessy), a maior empresa de artigos de luxo do mundo - detentora de marcas das champagnes Moët Chandon e Veuve Clicquot, e de grifes, como Dior, Givenchy e Karl Lagerfeld, só para citar algumas.

Arnaud, detentor de 41 bilhões de dólares (a quarta maior fortuna do mundo, segundo a revista Forbes), não somente se domiciliou na Bélgica, como entrou com o pedido de nacionalidade belga. O Libé não perdoou: estampou o mega-empresário na capa com um insulto: Casse-toi, riche con!  (Te cala, rico fodido). A frase é uma alusão a umas das diatribes do então presidente francês Nicolas Sarkozy, registrada em vídeo e amplamente divulgada. Em 2008, numa feira agrícola, no interior da França, um agricultor se recusou a apertar a mão do presidente dizendo: "Ah non, touche-moi pas ! Tu me salis !" "(ah, não, não me toca! Tu me sujas!"), Sarkozy, perdeu a pose e retrucou  "Casse-toi, alors, pauvre con!" ("te cala, então, pobre fodido!").
No affaire  Libé versus Arnaud, o mega-milionário processa o jornal, num caso que pode chegar a até 150 mil euros de indenização.
Ao reagir ao processo, o Libé não perdeu o tom político-irônico com mais uma capa:
"Bernard, se tu voltas, a gente anula tudo".  Mais uma referência a Sarkozy: um SMS que o então presidente enviou à ex-mulher, Cécile, um  pouco antes de casar com a modelo-cantora Carla Bruni.
No Brasil,bem, no Brasil,  as capas-choque não fazem parte da chata e quase monocórdica paisagem mediática.Coisas do jeitinho e da cordialidade verde-amarela.

6 comentários:

Andrea filha do Pedro do Fusca disse...

O que espero, Edvan, é que a Bélgica siga o exemplo francês e que instaure o mesmo imposto. Ja estou cansada de trabalhar e ter quase 1/3 do meu salario desviado para o imposto de renda...

Ja estou até imaginando Depardieu & cia. pedindo a nacionalidade brasileira.

Edvan Feitosa Coutinho disse...

Concordo plenamente, Andrea. Os impostos pesam demais na vida de assalariados no Brasil e na Bélgica, principalmente. Mas a grande diferença é que aqui, a gente tem um certo retorno de serviço público. Bem difernte do brasi. Lùa, a gente paga imposto e tem ainda que pagar plano de saúde, escola etc. Ou seja: paga duas vezes por direitos básicos.

Itajaí disse...

Em primeiro lugar é necessário saber o que é o SUS, pois o retorno reclamado está mais que presente e não se trata de pagar duas vezes pelo benefício. Se não vejamos: toda a vigilância sanitária está por conta do SUS ( não paga por plano de saúde); toda a cobertura vacinal obrigatória, que nos protege de epidemias, está por conta do SUS (não paga pelos planos de saúde); todos os procedimentos da alta complexidade, tem valores pagos semelhantes e até mais altos que aqueles pagos por planos de sáude (inclui diárias de UTI, quimioterapia, stents, transplantes, etc). O que plano de saúde paga - e tão mal quanto o SUS - é procedimentos de média complexidade, do tipo consulta, exame de sangue, urina, fezes, rx, etc. Não à toa existe a maior dificuldade de se obter consultas de imediato com planos de saúde em qualquer capital brasileira. Exatamente porque os médicos estão regulando a demanda, alinhando preços a uma tabela particular. Esse é o tamanho do inferno, meus caros. Conheçamos e reflitamos melhor sobre a geopolítica da saúde brasileira - pública e privada - antes de esquecer que cerca de 110 milhões de brasileiros, exclusivamente usuários do SUS, pagam pela desoneração do Imposto de Renda concedido à classe média para consumir planos privados de saúde.

Edvan Feitosa Coutinho disse...

Itajaí, interessante sua argumentação, e reconheço que, do ponto de vista do cidadão comum, como nós, nem sempre se tem essa perspectiva. Mas, bom, em meus 41 anos de Brasil tive tratamentos de alta complexidade cobertos pelo plano de saùde e se fosse esperar pelo SUS, hoje estaria com sequelas. Nem falo do que avó, pai e mãe só tiveram porque tinham plano de saùde. Mas, enfim, estou quase hà 7 anos fora do Brasil e soube que os planos viraram o caos. Mas, de qualquer maneira, opino baseado em experiência pessoal e familiar, pois na hora de correr para um hospital, a última coisa que a gente vai pensar é sobre geopolítica da saúde no Brasil. Abraços.

Itajaí disse...

Sem dúvida que o sofrimento é o limite da necessidade humana, Edvan. Mas o importante a saber é que a alta complexidade em geral é paga pelo SUS, mesmo quando o paciente é usuário de planos de saúde com uma cobertura média. E que saber mais: o SUS não é reembolsado. Há uma dívida trilhardária, impagável desses planos com a saúde pública.
Há planos, claro, carésimos, que cobrem esses procedimentos sofisticados. Entretanto o fazem mediante reembolso - ou seja: you pay first. São planos, portanto, para poucos, muito poucos.

Andrea filha do Pedro do Fusca disse...

Itajai, voce tem uma sua visao bem positiva do SUS.

Vivo num "exilio" forçado porque, no Brasil, a minha familia teria que sofrer a angustia das filas de espera por um transplante, que aqui obtivemos em poucos dias. Sem contar todo o acompanhamento, mesmo apos 10 anos, financiado pelo Estado.

O sistema de saude publica brasileiro é uma vergonha.

Vigilancia sanitaria e vacinas... sao o minimo que um pais deve fazer pela sua populaçao.