Provocada pela postagem do querido Ângelo Cavalcante e do comentário da também muito querida Ana Prado, dou cá meus pitacos. E não são respostas, digo convicta. Apresento minhas impressões sobre esse tema que vai e vem especialmente no campo do futebol, que seria a chamada rivalidade entre brasileiros e argentinos.
Pra começo de conversa, deixo claro que entendo a Copa do Mundo como uma tacada de mestre no nosso sistema mercantilista e modelo de sociedade, quando o futebol é absorvido como uma competição entre nações e não como um esporte que poderia ser simplesmente lindo por ser o que é e vir a ser um espaço de convivência pacífica, lúdica e de compartilhamento entre as pessoas. A Copa, nestes termos, incentiva o que todos os dias tratamos de alimentar. Acho uma pena para o futebol e para um possível novo mundo que alguns tratam de dissecar. Daí, em diferentes níveis, alguns de nós, como nós, ficamos embasbacados com o nível de hostilidade a que o ser humano pode alcançar durante os campeonatos que prometem mundos e fundos ao melhor que vença.
Curioso pra mim, que moro em Buenos Aires há pouco mais de dois anos, é que nunca senti nenhum tipo de rechaço. Tá bem: sou mulher e o futebol é papo para homens. Argumentaria um bom punhado de gente. Sim, é uma característica que me diferencia nas rodas de conversa entre pessoas de diferentes nacionalidades com quem tenho oportunidade de conviver, ainda que os argentinos sejam a maioria. Mesmo assim, tenho oportunidade de perceber nessas e outras ocasiões como se dá um pouco dessa relação com o futebol entre os vizinhos. E o grau de rivalidade varia como em muitos assuntos.
Concordo com Ângelo quando diz que existe essa divinização do Brasil e de brasileiros entre os
hermanos: um país de praias paradisíacas; mulheres incríveis; povo alegre. Escuto tudo isso mesmo. E sinto, nas entrelinhas dos meus miolos, que é também o que eles gostariam de ter. Ou seja, é o não-dito. Fica a emoção, menos que a informação. Mas um bom sentimento deles para conosco. E essa dicotomia entre a informação que se vai e a emoção que fica me faz lembrar que, entre as nações que eles manifestam raiva, está o Chile, um dos dois únicos países latinos com o qual o Brasil não faz fronteira. Aqui e ali, pesquei que pode ter a ver com a ideia de traição que os argentinos vêem nos chilenos, que tiveram sua cota de participação na guerra das Malvinas, apoiando a arqui-inimiga Inglaterra. Muitos nem devem lembrar das razões de tanta raiva contra os chilenos, mas creio que este é um dos sentimentos que se naturalizou em razão da disputa pelo território.
Algo semelhante deve passar quando o tema é futebol. Eles não têm cinco estrelas, como a seleção canarinho. Ainda que tenham muitos jogadores que fizeram e fazem história. Imaginem a dor de cotovelo que isso pode ser? Já chegaram na Copa 2014 com música de guerra contra o país sede e ainda acham ruim não torcermos pra eles! Diria uma coleguinha: tão deselegante...
E pra agregar mais pimenta nesse angu, as palavras atuais que proferem a respeito do Brasil têm muito a ver com uma economia estável, uma melhora na qualidade de vida entre os mais pobres... Temos dinheiro pra levar pra eles! E o país que demorou 24 anos pra chegar de novo a uma semi-final de Copa e que já foi visto como a Europa latina fica chupando o dedo.
Por onde já passei na Argentina, posso dizer que, sim, somos bem recebidos. Mas isso também não quer dizer que não exista raiva da gente quando o tema é, por exemplo, futebol. Giovanna Raniere e a pequena Bia que o digam! Os garotos do colégio não perdoaram e cantaram até a Bia decorar “Brasil, decime qué se siente...”.