Marcelo, no Benguí, cultiva um pequeno jardim na frente de sua casa. Dia desses me ligou relatando febre, dor de cabeça e lassidão extenuante, compatíveis com essas viroses soltas por esse Brasil varonil. Ele me pergunta: Chikungunya, Zika ou Dengo meu? Impossível responder por telefone, apesar de seu bom humor, já que no ouvido clínico elas têm mais semelhanças que diferenças.
João, vozinho que mora em Ipiranga (SP), também zelava por seu jardim. Apresentou o mesmo quadro clínico, mas necessitou ir urgente ao Hospital do Servidor Estadual. O diagnóstico diferencial fechou em Dengue hemorrágica por conta da queda de plaquetas (células da coagulação) e falência multi-orgânica fulminante.
Ah! Como são tristes nossos invernos de norte a sul.
Ambos teriam que fazer exames para definir o diagnóstico, mas a mira era o algoz Aedes. Marcelo lembrou-se de sua infância interiorana e teve uma epifania: mesmo abatido pegou ônibus no rumo da Castilho França e tratou logo de aviar um mosquiteiro - sim, um mosquiteiro. Até procurou DTT, mas disseram que há anos não fabricavam.
Na manhã seguinte, Marcelo observou que o teto de seu mosqueteiro estava repleto de carapanãs. Também viu que sua vizinhança não havia controle dos criadouros, sem falar do lixo e esgotos a céu aberto, que pioram no inverno. Daí, para não encrencar com vizinhos resolveu apenas se defender com mosqueteiro. João, em São Paulo, não teve a ideia e sucumbiu.
Aedes aegypti, o vetor desses males, depende de condições sanitárias. Quanto mais precariedade, maior será sua condição de sobrevivência e multiplicação. Calor, água e gotícula de sangue humano são os ingredientes encontrados na natureza que lhes dão sustância. Acrescenta-se aí o tempo das chuvas. Os ovos colocados na superfície de um depósito de água parada eclodem e dão origem à larva, de onde saem adultos entre sete e dez dias. Quando a fêmea pica um “dengoso”, contrai o vírus, depois ela infecta – somente a fêmea – uma pessoa saudável com nova picada.
A estratégia de combate ao mosquito ficou clara tão logo o ciclo biológico foi esclarecido, há mais de cem anos pelos brasileiros Adolf Lutz e Emilio Ribas, na época da febre amarela. É bem mais fácil derrotar o criadouro do que a legião de vampirinhos sedentos, pois seus ovos são resistentes e podem ficar viáveis por meses, segundo Ricardo Lourenço, da Fiocruz. Pior foi ouvir dos sanitaristas que 80% dos criadouros estão nos lares. Isso dói. É como se fôssemos culpados da convulsão febril de uma criança, ou da morte do vovô João.
Ah! Como foram tristes nossos invernos...
Com esse diapasão, Oswaldo Cruz erradicou o mosquito em 1903, no Rio. Ele dirigiu a “brigada mata-mosquito”, plano de higienização da cidade. Adentrou nas casas valendo-se de um tribunal exclusivo para esta causa. Erradicou o Aedes, ganhou estátua de herói, mas mesmo assim cidadãos viram sua privacidade invadida.
Os mosquitos zumbizando e a nossa modorra intelectual estão deixando rastros de negligência na escalada de mortes nesse país, a ponto do mosquiteiro ser quesito básico de segurança. Se o discurso político é o da anti-pobreza, desfechos como o do vovô João revelam notas fúnebres das mortes inaceitáveis.
Noves fora: zero. Faltam-nos Oswaldos e sobram cruzes em nossos quintais. Como ainda serão tristes nossos invernos!
7 comentários:
Comportamentos ...hábitos culturais ...
Roger essa epidemia de doenças transmitidas por mosquitos no Brasil, refletem exatamente nossa decadência na saúde pública nos últimos anos‼️ Fico impressionado com o descaso de nossas autoridades diante dessas tragedias diárias vividas por nossa população, Sem esquecer da Malária, que em nossa Região, representa mais de 99% dos casos no Brasil, que mesmo apresentando o menor número de casos em 35 anos(OMS), ainda é muito grave, principalmente devido ao diagnóstico tardio! Mas não podemos cruzar os braços e procurar , manter nossas áreas livres de reservatórios e incentivar nossa vizinhança !
Inegável realidade. Pode-se admitir que as condições de proliferação dessas mosquitas (pra lembrar a presidenta inocenta) não se situam apenas nos lares (?) urbanos. É de se perguntar: em Belém, cujas condições urbanas precaríssimas em tema de saneamento, aterros e drenagens, a existência de extensas matas (não florestas) em plena urbe,e adjacências, de que são exemplos as cercanias do aeroporto (sob controle militar), afora outras, não serão áreas privilegiadas para dar ensejo ao ciclo da produção de larvas? Alguém já viu as autoridades sanitárias agirem nessas áreas, que, em alguns casos, servem até para a acumulação de lixos de todas as ordens?
Rocha Neto, a Dengue é doença urbana, de modo que somos culpados em 80%.
Sade, você acaba de reiterar o que havia posto ao Rocha Neto, com exemplos importantes. Essas questões sanitárias são realmente negligenciadas, mas insisto em lembrar que, individualmente, poderíamos fazer mais.
O Aedes prefere o inverno, mas desafia as 4 estações. Ser ou não ser urbano, qual a diferença?
João Plaça Jr.
O individual é importante e, creio, a conscientização tem sido mais apurada. Porém, a negligência do que é público está aí, escancarada. Vovô João era cuidadoso, mas não foi bem cuidado quando adentrou hospital, pois onde se espera que o cuidado seja redobrado, muitas vezes está despreparado, ou negligenciado, quiçá desatento para a gravidade do momento.
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