sexta-feira, 10 de abril de 2020

Pelos labirintos da metodologia científica

“Não sabemos como medir a velocidade da ciência, mas o que sabemos é que os cortes nos investimentos científicos equivalem a cortes na nossa capacidade cerebral e beneficiam apenas os políticos que ascendem com a ignorância”.
Mario Bunge, filósofo argentino.

Entre Lausanne (Suíça), Rio e São Paulo, três médicos pesquisadores discutem em rede social o uso da Cloroquina. Como epidemia vara fronteira com passaporte alheio, aqui do meu recanto da floresta amazônica fico a ler os amigos que tanto admiro e a interpretar Mario Bunge, filósofo cientificista da linha de Karl Popper (1902-94).
- “Todo político quer levar os comprimidos da cura”. Segue: “Este vírus deve voltar no ano que vem. Se continuarmos sem as respostas, a confusão no próximo ano será igual”.
- “Essa questão da Cloroquina virou uma coisa insana. É uma questão de metodologia científica e não política.”
- “l’émotionnel va dans les deux sens: vers ce qui terrifie et vers ce qui rassure. Le narcissisme rôde partout”
Percebe-se claramente que todos estão abraçados na questão científica, ou seja, vê-se preocupação com os rumos da politização da Cloroquina. Conclui-se: fora dos valores da ciência a pandemia vira pandemônio; impera o empirismo.
Para meu poeta preferido, o tempo perdeu a linha e parece que ficamos a ermo, como se Teseu cegasse, a ponto de perder a luz e viver só, perdido nesse mundo tão cheio de razões voláteis, que nem a lucidez tem vez, mesmo recebendo sinal da estrela guia. É a alucinação que vem iluminando o caminho e o Minotauro se refaz do mito grego e vem à tona vestido de ninharia política, a brandir verdades que só cabem nos bolsos dos desesperados.
Se Mario Bunge, autor da epígrafe, ainda fosse vivo, teria convidado Karl Popper e convocado a banda do Super-Trump para uma “laive” em plena Manhattan, vestido de Teseu – ou de toureiro - para enfrentar o touro de Wall Street.
Morando no Canadá, Bunge morreu aos cem anos (fevereiro de 2020), mas entrou esperneando no esquife. Duas semanas depois, a OMS declarou a pandemia. O azar foi nosso. O filósofo era um defensor do método científico por meio do realismo científico, em que se descreve a ciência a partir do seu objetivo e de suas conquistas para produzir descrições verdadeiras (ou aproximadamente verdadeiras) do mundo. Tal como Popper, ele era avesso à pseudociência; sendo mais claro, avesso a balelas vitaminadas de ciência, o qual cognominou de “risco de falseamento”. Diante dos desafios à terapêutica antiviral com cloroquina, certamente teria como contribuir à polêmica que ora vivemos.
Se contarmos pelas páginas da epidemiologia, Bunge nasceu em meio a outra pandemia, a Gripe Espanhola, e coincide morrer em outra. Declarou, de mãos limpas e sem máscara: “Negar a ciência é muito mais fácil que aprendê-la”. Com este diapazão, provavelmente ele condenaria os atuais ensaios sobre a Cloroquina e ficaria com o seu olhar de lince à espreita de resultados clínicos robustos, só para abrandar a ferocidade dos alucinados - inclusive a minha. Juntamente com o brasileiro André Kalil (Nebraska Medical Center-EUA), estudioso no assunto, entenderia perfeitamente que no ar viciado, que ora a peste empesta, o vírus vaga à vontade. Estamos “tratando as emoções”, segundo ele. E completa: "Muitas drogas que acreditamos serem fantásticas acabaram matando pessoas... como é difícil continuar explicando isso."
Não obstante, o editorial da renomada British Journal of Medicine foi categórica em definir que: “neste momento, exceto pelas medidas de suporte, a doença não tem remédio.” Os fatos são sonoros, mas houve grunhidos. Aliás, ouve-se grunhido por todos os cantos do planeta. É o grunhido que impressiona e cala a filosofia científica e deixa a população de olhos esbugalhados na TV, participando ativamente do sepultamento dos novaiorquinos ao ver o vírus nocauteá-los como se fosse um jab na bolsa escrotal do touro de Wall Street, apesar do uso liberado da Cloroquina nos EUA.

Roger Normando - Professor do departamento de Clínica Cirúrgica II, disciplina de Cirurgia Torácica - Universidade Federal do Pará.


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