Há cerca de dois anos, enquanto passeava pela University
Road, nos arredores de Coral Springs, Florida, a Barnes&Noble expusera Book of medicine.
O calhamaço reunia
as maiores notícias médicas em 150 anos do New York Times.
De repente, ao despertar certo domingo em meio à pandemia,
fiz ranger as folhas daquele livro ao abrir minhas pálpebras piscantes na
página 21 de março de 1997, em que o periódico Science publica
os estudos do virologista Jefferey Taunbenberger sobre o agente da pandemia de
1918, até então desconhecido à luz da ciência.
A notícia correu o mundo oitenta anos após a epidemia, com
assinatura da bióloga e jornalista Gina Kolata, coordenadora da coletânea
do NY Times. A lâmina afiada de Taunbenberger retirou amostras do
Alaska, Nova York e Kansas. Ampliou o RNA do vírus pelo método revolucionário
de PCR. O trabalho durou dois anos. Os 15 mil nucleotídeos (vigas que sustentam o RNA) estavam estilhaçados em 200 pedaços e a outra parte estava carcomida pelo tempo. Montou-se o
quebra-cabeça e concluiu-se que o vírus era um H1N1 de alta
letalidade, encontrado entre aves e porcos.
A onda gripal de 1918, que só acabou em 1920, em sua maioria entrava pelos cais dos portos, em que pese inicialmente ter viajado em mochilas e faringes dos soldados americanos que haviam treinados no interior do Kansas e enviados à França, no fim da guerra. Alguns já chegaram febris; depois contaminaram ingleses e chegaram aos portos de Espanha e Portugal até findar no Brasil - mesmo sem a globalização de hoje, veio bater aqui no Curro Velho.
A onda gripal de 1918, que só acabou em 1920, em sua maioria entrava pelos cais dos portos, em que pese inicialmente ter viajado em mochilas e faringes dos soldados americanos que haviam treinados no interior do Kansas e enviados à França, no fim da guerra. Alguns já chegaram febris; depois contaminaram ingleses e chegaram aos portos de Espanha e Portugal até findar no Brasil - mesmo sem a globalização de hoje, veio bater aqui no Curro Velho.
Inigo Crespo, um amigo e cirurgião de Zaragoza, envia-me
algumas fontes sobre a epidemia de 1918, alertando-me para a injustiça histórica. Aponta que os ingleses começaram com essa pavulagem. Segundo a historiadora
Adriana Goulart, a idéia de Espanha esconder a doença foi noticiada pela London’s Royal Academy of Medicine. Mais
tarde, porém, poucos acreditavam neste fato, pois as
rádios madrilenhas, ávidas por noticiar o mundo, não deixaram de informar sobre a nova gripe.
Jornais da Trípice Entente aproveitam e disseminam que os
miasmas que ancoravam em portos espanhois vinham em garrafas de náufragos
lançadas ao mar pela tríplice aliança e, quando abertas em praias ou portos,
havia cheiro de rosas partindo o ar, cujas pétalas eram enxurrada de vírus -
uma espécie de castigo à neutralidade dos cervantes à guerra. Aldir Blanc cria
a metáfora de Nova Granada de Espanha, na canção Corsário, por tratar de potente arma de guerra.
A humanidade mal contabilizava 30 milhões de mortos nas
trincheiras da guerra e tinha que somar às covas comunitárias mais 50 a 100
milhões com a nova Gripe, equivalendo ¼ da população mundial.
Só oitenta anos depois, com o progresso da Genética e
Biologia Molecular, a exumação dos cadáveres conservados em formaldeído puderam
ser reexaminados. Retirar espécimes de pulmão com restos de secreção para
aplicar técnicas modernas precisava de coragem e determinação. Tudo foi escrito
por Kolata em: “Flu: the story of the great influenza pandemic of 1918
and the search for the virus that caused it”. O artigo de
Taunbenberger ainda levou o prêmio científico do ano da conhecida revista
inglesa The
Lancet. Conclusão do pesquisador: “Eu não posso sustentar um fragmento
de gene e dar a resposta a tudo. O que temos é apenas o início de uma
história”.
Dito e feito. O achado do virologista foi ensaio para a epidemia seguinte, a Gripe Suína de 2009,
procedente do México. Foi uma questão de desengavetar o que existia para
criar a vacina capaz de conferir imunidade contra o H1N1, e aplicar na
população. Deu certo.
Com os laboratórios de Biologia Celular
aos olhos, o que podemos ver sobre o SARS-CoV-2 é uma nova história ao
microscópio. Sabemos que já houve o seqüenciamento do RNA do vírus, ainda na
China, mas até surgir vacina e estudar as mutações, teremos que entender a
recente história das epidemias. E se jubilarmos passado não tem como entendermos as
nossas atuais incertezas, que abrem picadas à luz de lamparina para nosso desespero e mal-presságio.
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