Por José Antônio (amigo de infância,
perdido na solidão do passado)
Gravado na profundeza das minhas retinas, lá onde as reminiscências se escondem, bem remotas, mais ainda vividas, estão os Normandos.
Família paraense ancorada de mala e cuia, cachorro, periquito e papagaio nas ribanceiras do Envira, na minha terrinha Feijó, interior do Acre.
Senhor Geraldo Normando, o pai, funcionário de carreira do Banco da Amazônia, não sei por que carga d’águas resolveu se aventurar naquelas longínquas terras dos Ashaninka, Shanenawa, Kulinas e Kaxinawá, meus amados conterrâneos e legítimos herdeiros das terras do bem-virá.
Dele, o histrionismo, a risada um tanto Fafá (quem sabe não foram amigos de infância lá pelas bandas do Pará) e tirar uma onda com os amigos são suas marcas indeléveis e bem vívidas na minha memória.
Dona Marina, a matriarca, como esquecer? Sua dedicação e sempre atencioso carinho dedicados aos amigos de seus filhos, e é claro os inesquecíveis e deliciosos ponches servidos nos lanches da tarde, nos intervalos dos intermináveis jogos de botão, estão aqui gravadas para sempre.
De Roger, o primogênito e herdeiro do pomposo nome do pai “Geraldo Roger Normando” acrescido é claro do Junior, lembro bem, a voz um tanto fina e que assim como o corpo traziam traços do pai na cor da pele, e de Dona Marina, na silhueta, além é claro o histrionismo e gozação que sempre fazia com os amigos, mas, sobretudo as aulas mútuas de chutes. Ele com o pé direito e eu com o esquerdo, no objetivo único de nos tornarmos ambidestros. Não sei pra ele, pra mim deu muito certo. Meu pé esquerdo tornou-se bem mais preciso nos chutes que o direito. Que não me deixam mentir os guarda traves do Independência, Juventus, Andirá e Vasco da Gama - do Acre, é claro.
De David Normando, o Toninho, como assim o chamávamos, recordo a vasta cabeleira e é claro o gosto um tanto quanto exótico por comer formigas. Dizia ele que era para ativar a memória. Parece que deu certo. Em conversa recente lembrou até de França Vaz, o maior mentiroso de Feijó, mas que, segundo Zé Arnaldo, deixou de mentir quando se viu confrontado com Jorge Viana, ex governador do nosso querido, amado, idolatrado e salve salve, único e para sempre onipotente Estado Independente do Acre.
Paulo, do que restou de lembranças das minhas gastas retinas, era uma cópia quase perfeita do pai, tanto na cor da pele quanto nos quilinhos a mais no físico. Diria que assim: meio parrudinho.
Já Marcelo, o mais novo, o que me resta nas minhas enferrujadas reminiscências é que seria meio parecido com Toninho, e que tinha também muitos traços de Dona Marina.
Quanto às Normandas, não sei se porque na época, éramos muitos meninos e não tínhamos, ainda, aquele interesse comum aos adolescentes. Roger, David, Paulo e Marcelo perderam a oportunidade de ter-me como cunhado. Realmente a lembrança delas é muito fátua. Só lembro que uma tinha a cor da mãe, e a outra a cor do pai.
No mais são boas, velhas e eternas reminiscências, reminiscências essas eternizadas na poesia e musica do grande poeta e cantor popular Antonio Carlos Belchior Nascimento “Quando eu não tinha o olhar lacrimoso que hoje eu trago e tenho, Quando adoçava meu pranto e meu sono no bagaço de cana do engenho. Quando eu ganhava esse mundo de meu Deus. Fazendo eu mesmo o meu caminho. Por entre a as fileiras do milho verde que ondeia com saudade do verde marinho. Eu era alegre como um rio, um bicho, um bando de pardais, Como um galo quando havia. Quando havia galos, noites e quintais. Mas veio o tempo negro e, à força, fez comigo mal que a força sempre faz. Não sou feliz, mas não sou mudo. Hoje eu canto muito mais”