Dezembro, nove, 2021. A data representa o dia em que recebemos a notícia pelo diretor do hospital Galileu que o PROGRAMA DE CIRURGIA DE TRAQUEIA havia sido reaprovado pela atual diretoria, com apoio da Secretaria de Saúde do Pará. Ou seja: seguiríamos por mais uma temporada dando voz aos silenciados pelas avarias e seqüelas da entubação e outras mazelas.
O programa nasceu para aliviar cerca de 20 pacientes que batiam à porta de hospitais, sem haver eco. A previsão era de seis meses de duração, com provável prorrogação para mais seis. Ao longo da jornada ele precisou esticar, por conta da necessidade de contemplar o interior do Estado. Também surgiram as estenoses da laringe – espécie de “terra de ninguém” -, envolvendo a glote e a subglote, assim como os ferimentos cervicais complexos, fruto da degoladora violência urbana. Hoje completamos o quinquênio.
Essa extensão do programa, em que pese torná-lo mais complexo, teve como desfecho positivo o fato de não ter ocorrido transferência de tratamento para outros centros (TFD), e acabamos nos abastecendo da expertise. Isso, para uma política de saúde pode representar vitória não só no plano econômico, mas principalmente humanístico, sem esquecer a contribuição científica e o congraçamento com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Torácica, pois temos recebido cirurgiões de diversos centros.
Por sua vez o organograma do hospital criou uma ala específica, com clínicos habilitados para conviver com os detalhes da doença, além de insumos totalmente voltado para este de programa.
Por tudo isso, resolvemos comemorar o lustro com caso desafiante: estenose de 3cm a dois anéis da Carina traqueal. Ou seja, aos olhos dos brônquios, lá embaixo. Ao serrar o esterno, estávamos entremeado pelo coração, veia Cava, Aorta e Esôfago. A lesão estava atrás das artéria e veia Inominada. Não precisaria definir como estruturas nobilíssima.
Havia um campo visual limitado, onde tivemos que nos revezar para findar a operação. Para comandar a batuta convidamos o presidente da SBCT, Artur Gomes, um apaixonado pelo tema. E para testemunhar o fato, mais dois estrangeiros - um carioca e um maranhense - ajudaram a soprar as cinco velas desse aniversário, cuja comemoração foi dentro do próprio centro cirúrgico com todas as fontes de oxigênio ligadas e uma explosão de desafios e resiliência. O procedimento durou mais que o esperado, mas o resultado foi surpreendente, com o paciente precocemente em casa, respirando normal – e sem cânula de traqueostomia -, desafogando a fila que já recebeu mais de duzentos pacientes e ainda tem uma carrada pela frente.
Naquele sábado, antes de aterrissar no centro cirúrgico, demos uma parada na conveniência da esquina, anexa ao posto de gasolina, para degustar um café e ganhar tutano. Naquele momento fizemos um rearranjo da estratégia cirúrgica. Na hora de pagar a conta, o proprietário, um velho amigo de ensino médio, pediu para “deixar pra lá”, louvando aquele trabalho e os convidados ilustres. Era um bom sinal; aquele tipo de gente era a mesma que iríamos encontrar no Galileu. Dito e feito. Fomos recebidos pela equipe de anestesia, enfermagem e pelo diretor da instituição que, após breve apresentação, nos liberou para o campo de batalha.
Se há algum sucesso para esse programa, diríamos, foi pelos olhares que os todos deram, assim como pela brilhante ideia dos gestores que tiveram músculo para aguentar o programa durante dois anos de epidemia. No total, recepcionamos mais de 25 cirurgiões do Brasil (RS, AL, PR, RJ, PE, MA, GO, AM, AP, DF) e até estrangeiros para apresentar o serviço e vivenciarem os casos. Ninguém menos que os professores José Camargo (RS) e Paula Ugalde (Canadá/EUA) deram vozes ao programa, assim como os demais cirurgiões de ponta - que não são poucos.
Não obstante, acabamos mais aprendendo que ensinando. Em alguns casos usamos alta tecnologia com laser – com patrocínio das grandes empresas -, mas o que mais aguça o programa são as intervenções cirúrgicas envolvendo laringe e traqueia. Embora não disponhamos do arsenal tecnológico de ponta, seguimos no programa sob as letras de Ernest Hemingway: “agora não é hora de pensar no que você não tem. Pense no que você pode fazer com o que existe”.
Seguimos, doravante, criando esse elos...
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