There's a lady who's sure all that glitters is gold
And she's buying a
stairway to heaven
Led Zepellin, na
canção: Starway to heaven.
“No dia em que Yana Milinic resolveu ir para a guerra, já tinha tomado a decisão irrevogável de morrer”. Assim está a primeira frase de “Atirem direto no meu coração”, estreia de Ilze Scamparini no campo da literatura. Ao final da obra, a autora paulista, correspondente da Globo em Roma, nos arrebata e queda ao chão com seus estilhaços literários. Foi grata surpresa.
Sou, há muito, admirador do jornalismo cantarolado
de Ilze. A forma como sonoriza seus textos, em parte, está na
obra. Li como se tivesse o ouvido grudado num áudio-livro, com a voz de Ilze ao
pé da orelha. É leitura com fundo musical: Led Zepellin. Porque há rajadas de
guitarras em meio a um texto de resistência ao establishment.
Descobri essa nova Ilze atravessando as ruas de
Botafogo, numa livraria de renome. Andava me ocupando da saúde da família, quando
achei um tempinho de visitar a tal livraria, além de saborear um bom cafezinho,
como sempre faço quando vou ao Rio.
Logo na entrada me deparei com o livro. Retrata
a guerra de Kosovo, um pequeno pedaço de terra onde cristãos ortodoxos
digladiam-se com albaneses e muçulmanos pela posse territorial,
após a ruptura da Iugoslávia de Tito. Sem querer entrar no mérito internacionalista,
Ilze se transforma em Paola durante seu relato e consegue traduzir o sentimento
da sérvia Yana Milinic, a personagem principal que vendeu a alma ao diabo, por
conta de seu nacionalismo beligerante. Numa das cenas ela invade pequeno
hospital e, com sangue nos olhos foi capaz de atirar na cabeça do cirurgião em
pleno campo operatório e no paciente que se encontrava sobre a mesa de cirurgia,
com o abdome aberto. Ambos ficaram na pedra. Por sua vez foi capaz de chorar sobre o
corpo de uma criança fuzilada pelo parceiro de farda.
Para relembrar essa guerra já esquecida, Scamparini
dá ouvido à guerrilheira Yana, entre vários encontros, e também revigora-se por
meios de revisão historiográfica. Na época, 1998, por conta de questões
étnicas, Kosovo tentava ser independente, mas o governo sérvio do ditador
Slobodan Milošević não estava disposto a ceder. No romance, a protagonista Yana
veste a farda da Raposa Vermelha, grupo miliciano ultranacionalista que defende
a cartilha do ditador.
A narrativa é taquicardizante. A sensação é de o
leitor estar nas trincheiras da guerra, ouvindo rajadas dos Snippers,
aviões da OTAN passando por cima da cabeça e torcendo por Yana no
octógono contra Lady Tortura. Se quiserem entender visceralmente a guerra de
Kosovo, não comprem livro de história. Viagem para o terreno kosovar nas asas
de Ilze, que se faz Yana pelo lado de dentro dos sérvios da resistência, que
buscaram com faca nos dentes a independência política de seu
povo.
Até a sede que Yana sofre escalando as colinas foi
transferida para mim. Naquele momento fechei as páginas do livro e fui até a
geladeira tomar uns goles para ajudar a corrigir sua desidratação,
pois a descarga de adrenalina que escapava da leitura atingiu minha goela em
cheio; perdi o sono.
Ao escolher vestir a farda da resistência, Yana foi iluminada pelo avesso dos breus. Era quem enxergava o caminho em noites de lua cheia ao lado de seus companheiros. Não via riscos em tropeçar nos medos que a sua razão de mulher do campo semeou ao longo do tempo pendurado na baioneta de seu fuzil.
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