quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

(In)certas memórias - o Bando de Corisco.



 

Benquerença é pros predestinados,

pros bem-aventurados, pro de boa sina...

Não precisa ser nascido

Antonio Maria Pereira, o Corisco


                Achei que nunca fosse escrever sobre Corisco. A começar pelo nome adotivo, Corisco vem lá dos sertões - dos sertões de Benquerença, um principado independente dentro de Bragança, que nasceu antes de fundarem a cidade. Está fincada às margens do rio Caeté, no Pará, na beirada do Atlântico Sul, logo abaixo da linha do equador. O codinome Corisco é uma espécie de códex, diria Leonardo Da Vinci. Benquerença é para Corisco a sua Macondo de águas diáfanas. Ou sua Pasárgada, onde tem prostitutas bonitas que moram na “Casa dos Anjos”.

            Mas como nasce um escritor e qual sua relação com o bar, prostitutas e a birita? Precisei ler todo o livro "(In)certas memórias", da Populivros editora, e só encontrar o motivo no último conto: “vocações”. Em que pese a travessia de toda leitura ser o estrondo do livro, “vocações” define qual é o delírio de ser escritor. Foi aí que me emocionei. Por quê? Porque é por esses vestígios que me nucleio a Corisco.

            E onde eu encaixaria o estilo corisqueano de suas crônicas? Corisco tem a semelhança física do Hemingway, mas carrega com maestria o pássaro azul de Charles Bukovski, ao inalar a fumaça de cigarro das putas e dos atendentes dos bares e mercearias. Se se pode escrever assim, esta foi a cadência literária de Corisco. Ele recria uma atmosfera de Cem Anos de Solidão (Gabriel Garcia Marquez), ao recriar outra Macondo de atividades mundanas, reúne os seus Buendías nos Bares. Sim, foi no Rex Bar a primeira vez que ele viu o gelo - e logo tratou de pôr no copo e misturar com cachaça e limão. Mas ele entendia que precisava compartilhar com os amigos. Conheci um dos Buendías de Benquerença: Da Estepe. Tornou-se médico. Para melhor entender seu comportamento, tive que reler o psicodélico personagem de Hermann Hesse.

O livro, em si, traz um convívio íntimo com aquele principado, que parece ter sido modelada para Corisco. Certa vez postei uma de suas narrativas num grupo de peladeiros do zap: “Os craques de Benquerença”. Imediatamente um dos membros gritou: “Opaaaaaaaaa”. Era o Buriri.

Até eu, Labareda, estou em “(In)certas...” em: “Uma conversa com Labareda”. Na realidade, Corisco mostra naquele poema a sua face mais passarinha com as palavras. Talvez seja o único capítulo em que Corisco se veste do admirável poeta das madrugadas cheio de incertezas e filosofias, e sem um pedaço de chocolate à mão. Corisco ali é Mia Couto, Rosa (Noel e Guimarães), Gabo, Dalcídio e Lindanor - aquela que mais lhe influenciou antes dela partir para Paris. Tem também Fernando Pessoa, Ferreira Gullar e Manoel de Barros. Esse último lhe causa delírios. Eu sou o Labareda, um escrevinhador sem estudos.

Por um tempo Labareda achou que Corisco deveria publicar suas poesias e seus escritos. Ele me ralhou. Quase escarra o sangue de uma hemoptise no meu jaleco. Reprovou-me, mas fingi esquecer tudo isso para criar um broadcast chamado Bando de Corisco, que durou um lustro de vida. Era todo fim-de-semana. Passei a divulgar sua poesia às escondidas. De repente, coloquei-o no grupo sem-querer-querendo e ele percebeu os comentários prodigiosos de Sabá de Abadia e Zabelê. Fechei o grupo logo depois, por não mais conceber a doída partida de Zabelê para o segundo andar, que coincidiu com o dia que Bob Dylan subiu ao púlpito do Nobel de Literatura.

Não vim para destilar crítica literária e comentar uma obra tão profunda quanto a de Corisco, mas quem passou por leituras da Turma da Mônica, tomou Tetrex para tratar estrófulo, levou vacina de revólver nos dois braços – ao mesmo tempo - e nasceu às margens do rio Juruá, não tem como deixar de ser
PHD em literatura. Com esses ditames, eu entraria de primeira no priorado de Cambridge e não me esquivaria a
T.S. Elliot... e ainda levaria 
Corisco.