Benquerença
é pros predestinados,
pros
bem-aventurados, pro de boa sina...
Não
precisa ser nascido
Antonio Maria Pereira, o Corisco
Achei que nunca fosse escrever sobre Corisco. A
começar pelo nome adotivo, Corisco vem lá dos sertões - dos sertões de Benquerença,
um principado independente dentro de Bragança, que nasceu antes de fundarem a
cidade. Está fincada às margens do rio Caeté, no Pará, na beirada do Atlântico
Sul, logo abaixo da linha do equador. O codinome Corisco é uma espécie de códex,
diria Leonardo Da Vinci. Benquerença é para Corisco a sua Macondo de águas
diáfanas. Ou sua Pasárgada, onde tem prostitutas bonitas que moram na “Casa dos
Anjos”.
Mas como nasce um escritor e qual
sua relação com o bar, prostitutas e a birita? Precisei ler todo o livro "(In)certas memórias", da Populivros editora, e só
encontrar o motivo no último conto: “vocações”. Em que pese a travessia de toda
leitura ser o estrondo do livro, “vocações” define qual é o delírio de ser
escritor. Foi aí que me emocionei. Por quê? Porque é por esses vestígios que me
nucleio a Corisco.
E onde eu encaixaria o estilo corisqueano de suas crônicas? Corisco tem a semelhança física do Hemingway, mas carrega com maestria o pássaro azul de Charles Bukovski, ao inalar a fumaça de cigarro das putas e dos atendentes dos bares e mercearias. Se se pode escrever assim, esta foi a cadência literária de Corisco. Ele recria uma atmosfera de Cem Anos de Solidão (Gabriel Garcia Marquez), ao recriar outra Macondo de atividades mundanas, reúne os seus Buendías nos Bares. Sim, foi no Rex Bar a primeira vez que ele viu o gelo - e logo tratou de pôr no copo e misturar com cachaça e limão. Mas ele entendia que precisava compartilhar com os amigos. Conheci um dos Buendías de Benquerença: Da Estepe. Tornou-se médico. Para melhor entender seu comportamento, tive que reler o psicodélico personagem de Hermann Hesse.
O livro, em si, traz um convívio íntimo com aquele principado, que parece ter sido
modelada para Corisco. Certa vez postei uma de suas narrativas num grupo de peladeiros
do zap: “Os craques de Benquerença”. Imediatamente um dos membros gritou: “Opaaaaaaaaa”.
Era o Buriri.
Até
eu, Labareda, estou em “(In)certas...” em: “Uma conversa com Labareda”. Na
realidade, Corisco mostra naquele poema a sua face mais passarinha com as
palavras. Talvez seja o único capítulo em que Corisco se veste do admirável
poeta das madrugadas cheio de incertezas e filosofias, e sem um pedaço de
chocolate à mão. Corisco ali é Mia Couto, Rosa (Noel e Guimarães), Gabo,
Dalcídio e Lindanor - aquela que mais lhe influenciou antes dela partir para Paris. Tem também Fernando Pessoa, Ferreira Gullar e Manoel de Barros. Esse
último lhe causa delírios. Eu sou o Labareda, um escrevinhador sem estudos.
Por
um tempo Labareda achou que Corisco deveria publicar suas poesias e seus
escritos. Ele me ralhou. Quase escarra o sangue de uma hemoptise no meu jaleco. Reprovou-me, mas fingi esquecer tudo isso para criar um broadcast
chamado Bando de Corisco, que durou um lustro de vida. Era todo fim-de-semana.
Passei a divulgar sua poesia às escondidas. De repente, coloquei-o no grupo
sem-querer-querendo e ele percebeu os comentários prodigiosos de Sabá de Abadia
e Zabelê. Fechei o grupo logo depois, por não mais conceber
a doída partida de Zabelê para o segundo andar, que coincidiu com o dia que Bob Dylan subiu ao púlpito do Nobel de Literatura.
PHD em literatura. Com esses ditames, eu entraria de primeira no priorado de Cambridge e não me esquivaria a T.S. Elliot... e ainda levaria Corisco.
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