sábado, 26 de agosto de 2023

Carta a Harvard - pra celebrar "Immersion Course in Minimally Invasive Surgery for Latin America"

                 "[...] this course was absolutelly enlightment. It is beautiful and a privilege to whitness the development of doctors commited to human health and to medical community, and most gratefull to you all for including the latin american community. We are poor, we are behind, but we have the will to carry on."

                         Jasna Radich, cirurgiã chilena, in: Immersion Course in Minimally Invasive Surgery for Latin America.

      

Radich, em suas palavras, deixa um pedaço de latinidade entre os pilares jônicos da escola médica de Harvard – Leia-se Brigham Hospital. Pela contrapalavra, ela sussurra tantos outros dizeres que à contraluz acabamos avistamos outros mundos em suas sombras. E, mesmo na penumbra, vêem-se vestígios lá fora.

         A mensagem ocorreu ao final do curso, por rede social, destinada aos idealizadores do programa, quando já havíamos juntado as tralhas, desmontado a barraca e entulhado a roupa na mala. Ao lê-la debrucei-me à janela, defronte à Arcadian Street para degustar o ouro vivo da cultura médica, a ponto de lambuzar-me feito criança. Sentimos exalar o buquê da lembrança que embalou nossos abraços naquela despedida.

       Foram as últimas palavras? Foi dita com intensidade ou em vão? Ou Estariam os latinos apenas à procura, em si, de abrigo para hospedar essa sabedoria secular? E o que o brasão magenta Ve-Ri-Tas tatuará em nossos pulmões? Teremos ressonância ou falaremos ao vento até faltar o ar?  

    Os dizeres de Radich sussurram no ouvido de todos, desde 2015. Foi quando uma trinca de cirurgiões liderou o movimento na América do Norte, partindo do Canadá (Universidade Laval-Quebec), com o objetivo de estender o braço, mão e coração à América Latina. Portanto, a voz deixou eco, lógico.

     O tema central é a educação médica voltada para o tratamento cirúrgico do câncer de pulmão, com objetivo de atualização clínica, cirúrgica e científica. Após a quinta edição, o curso teve que pausar e esperar o vento torporoso da pandemia passar. Hoje, 2023, sai da Laval (Quebec) e se transfere para Harvard (Boston), por conta da ida de Paula Ugalde, a latina idealizadora do programa. Para os líderes do evento, eu convidaria o poeta Manoel de Barros a expressar o que vivi: "Já pensou na alegria de uma árvore se mil pássaros fizessem ninhos nela! Seria a própria orquestra do amanhecer.”

        Decerto aqueles amanheceres de nossas caminhadas até o anfiteatro foram tingidas pelas casas sem muros adornadas por flores vivas e árvores de intenso verde que a cidade de Boston expõe. Itinerávamos pela rota de nossos desejos até bater à entrada principal, onde ainda se vê os pilares que bem lembram o templo de Partenon - referência ateniense à arquitetura ocidental. Sentados, convivíamos com a palavra e seus sentidos à contraluz, em versão anglo-latina amparada pela sedenta busca do conhecimento.

A edição de 2023 trouxe mais de 75 inscritos, segundo Arianne Pearson, assessora do evento, e mãe da Raphaelle. Além dos cirurgiões locais Scott Swanson e Jon Wee, uma plêiade de convidados participou, a lembrar Jonathan Spicer (Montreal) e Luís Herrera (Flórida). Todos com a anuência de Rafael Bueno, coordenador da cirurgia torácica, e quem abriu as portas do Bornstein Amphitheatre, para sentarmos.           

     Ao fim, grifou Alejo, cirurgião colombiano: “Paula, gracias por el espíritu educativo que tanto nos beneficia y por las atenciones recibidas”. Também chamou atenção durante todo curso - hora do recreio - uma criança que acompanhava ativamente o movimento. Tinha os olhos da cor do mar e as bochechas do tamanho do seu sorriso. Ao final, a pequena Raphaelle deixa mensagem em francês, criptografada em seu sorriso: Merci, à la porchaine. Ou seja: ano que vem tem mais.

Roger Normando, professor de cirurgia torácica - Hospital Barros Barreto, Universidade Federal do Pará, Brasil.


    



 


sexta-feira, 11 de agosto de 2023

Agosto Branco, mês da consciência do câncer de pulmão

(*) Deus há de perguntar: “o que fizeste da tua dor?” E você se sentirá desafiado em algum momento a responder.  Muitos ficarão sem palavras, mas você que sabe onde dói, onde doeu, onde está doendo. Você saberá responder. Acolheu? Rejeitou? Lidou? Que fazer com a dor? Ela, ao menos, entrou como figurante em sua história? Meio de te abalar ou apenas um estorvo a evitar? Muitos tentam apagar seus rastros por conta das lembranças penosas... Pensa aí, pois você poderá ouvir Deus a te perguntar: "que fizeste de tua dor?”

 O texto acima é uma adaptação poética. Descreve o ritual de passagem, dor maior. O eu lírico reescreve com os traçados vivos de cada sístole. Como não conseguiu apagar os rastros, as lembranças, como fotografias amontoadas num baú, verteram-se em escrita, seguindo como reminiscências penosas de uma perda por câncer - o de pulmão.

  A história dos tumores malignos do pulmão permanece protagonizando mais histórias com o mesmo final. Eles representam a causa maior de óbito por câncer entre homens e a segunda entre as mulheres, tendo relação direta com o fumo. A criação do movimento AGOSTO BRANCO chega não só para ressaltar essa terrível doença, pois o argumento é forte, mas também para dizer que nossos olhares não estão em conformidade com o cenário atual.

No caso da escolha da cor, chega-se por trajetória já conhecida: outubro rosa e novembro azul, respectivamente para os cânceres de mama e próstata. A mensagem farpante é para conscientizar e mobilizar a população sobre os riscos do uso do cigarro e a gênese do câncer de pulmão. Essa guinada sufragista não poderia deixar de acontecer, sabendo-se da alta incidência e mortalidade, tratamento medicamentoso caríssimo – e distante da realidade SUS –, morte agonizante, dor e metástases. Ou seja, se uma tragada carrega mais de 60 matrizes cancerígenas (formaldeído, benzeno, cádmio, níquel, chumbo, etc.), os matizes da cancerização precisariam ser apagadas pelo veio da prevenção.

Mas pelo lado da prevenção os resultados são questionáveis. Diz-se que o mundo está fumando menos desde as últimas campanhas, conforme a sétima edição do relatório da OMS, em que 17% da população consumiam a substância em 2021, ante a 22,8%, em 2007. Isso é suficiente para os anos todos de restrição? Não temos como melhorar? Se a esperança repousa nesse modelo de prevenção, sem falar do novo desafio dos cigarros eletrônicos, ainda demoraremos a chegar a números aceitáveis. Jesse Teixeira, em seu livro intitulado “Câncer de Pulmão” (1971) cantou a pedra ao aferir que a maior esperança estaria entre os jovens: “Seria falacioso pensar-se em medidas profiláticas contra o câncer de pulmão, pois não se vislumbra no horizonte, a mais tênue esperança de que a humanidade, especialmente a sua fração mais jovem, se disponha a renunciar ao hábito de fumar”. Seria Teixeira pessimista ou realista?

Com resultados questionáveis das campanhas para apagar o cigarro, a ideia, agora, volta-se para tratar os casos precoces. Para isso, três associações médicas lançaram o desafio do rastreamento por tomografia. O programa usaria a lupa de Sherlock Holmes nas salas da radiologia para buscar lesões suspeitas em assintomáticos, numa abordagem em massa. O programa Propulmão, apoiado por entidades médicas, é exemplo ímpar. Até dispõe de um caminhão com um tomógrafo na carroceria, totalmente adaptado, pronto para pegar a estrada da solidariedade. “Nossos esforços para vencer o desolador panorama atual devem convergir no sentido de investigar novos métodos para melhorar os resultados da cirurgia”, disse Jesse Teixeira, em há 50 anos. Por isso as vozes da mídia na forma de AGOSTO BRANCO, por isso rastrear a população de risco... Por isso nós em solidariedade.

Toma um fósforo, acende teu cérebro, pois podemos avançar na nova ideia do rastreamento. A trinca envolvida na causa é a de cirurgiões torácicos (SBCT), pneumologistas (SBPT) e radiologistas (CBR). A proposta é aclamar a sociedade civil para realizar tomografias em larga escala em fumantes acima de 50 anos de idade, cujo objetivo seja o de flagrar tumores em fase inicial, com altas chances de cura. É fácil entender que, se o tumor é detectado precocemente, ou mesmo num momento em que a neoplasia não tenha ultrapassada as fronteiras do pulmão, a cirurgia exerética é a última quimera. Por isso, vale usar a mídia para marcar esse lema no meio do peito da humanidade, sem deixar as lideranças públicas fora desse ideário.

Sabe-se que os dividendos da cirurgia do câncer pulmonar avançado são, todavia, muito escassos, dito em todas as séries da literatura. Em que pese cirurgiões conseguirem estender ao extremo o limite anatômico e técnico, a possibilidade de ressecar o câncer avançado aumenta a chance de malogros. Por sua vez, ao deixar toda essa população nas mãos do tratamento clínico, de custo elevado e resultado clínico insatisfatório, apesar dos últimos protocolos, é o que mesmo que cortar os pulsos da saúde pública.

A mídia ajudaria, ao receber o AGOSTO BRANCO, familiarizar a sociedade com a importância simbólica da doença e seus matizes. Se hoje nasce em gotas de floral de Bach, à frente o objetivo é atingir em cheio a artéria da consciência.

Se o “cessar fumaça” da prevenção ficou puído pelo tempo, pois já não se sonha mais em vencer a guerra contra o tabagismo, todavia não precisamos enjaular esse tempo em nossas memórias, pois há o olhar que agora renasce pelo rastreio da solidariedade. Há de haver grande impacto na saúde pública, e mirar aquela lamparina no fim do túnel, a se transformar em luz com todos os seus espectros de cores. Seria então o consolo de todos que lidam com a miserável impossibilidade de não poder diagnosticar e extirpar um tumor para remediar a vida de tantos.

Roger Normando. Professor do departamento de Cirurgia - Universidade Federal do Pará (UFPA)-, e editor do Jornal da Sociedade Brasileira de Cirurgia Torácica (SBCT)

(*)Poema adaptado, de Abel Sidney, com permissão do autor.