terça-feira, 2 de setembro de 2025

Essa nova cirurgia do câncer de pulmão... Que venha!

                                                     Immediately after [1967], a number of other crucial discoveries

that would set the stage for the advent of cancer immunotherapy

were made in rapid-fire succession

William K Decker e cols, 2017.


Cada vez mais operamos casos pós-imunoterapia. É o novo normal do câncer avançado. Já com varios-alguns casos de lobectomias e uma única segmentectomia anatômica (reserva funcional limitada), juntadas aos relatos de vários cirurgiões brasileiros, penso ser hora de descansar o bisturi por uma noite, armar a caneta e ideias, e pedir uma folha em branco para expor essa nova faceta da cirurgia torácica - alcunhada de cirurgia de resgate.

Comecemos pelo Atlas de cirurgia pós-imunoterapia em câncer, coordenado por Paula Ugalde (Harvard) e Ricardo Terra (USP). O livro anima e nos catapulta para uma mina repleta de novos fármacos e vastos ensaios. Sim, são desafios... e não são mirrados, tampouco obstáculos. O título poderia ser “Provocações da cirurgia pós-imunoterapia...” 

Os resultados têm sido animadores, principalmente pela exequibilidade da cirurgia minimamente invasiva, que teve grande na evolução da técnica operatória, além da convivência com a cirurgia da tuberculose - sem querer fazer comparações, pois as tisiocirurgias são bem piores.

Esse avanço dá maior perspectiva de vida a cada paciente com câncer localmente avançado, como é a maioria. Mas não é só isso. Também dá respiro à própria medicina em seu aperto de mão com a oncologia, cujo tratamento de outrora nos escalpelou por conta de sua alquimia excruciante.

Quem já leu Pavilhão dos Cancerosos, do premiado russo Aleksandr Solzhenitsyn viveu bem o assunto durante a leitura. Tempo que a quimioterapia resumia-se à mostarda e alguns aditivos rascantes. Naquela pós-virada de século, o campo emergente da oncologia optou por uma abordagem citotóxica ao negar os veios vivos da imunologia.  

Hoje, quase 120 anos depois, estabelece-se que, mesmo os melhores regimes citotóxicos, raramente curam a malignidade em estágio avançado. Há de haver um dia que tudo isso passará para a prateleira de museus.

O jogo está virando graças a estratégias modernas que suplementam e aumentam as respostas imunes antitumorais existentes e oferecem maiores oportunidades para potencializar a remissão duradoura do câncer. Isso passou a ser desanuviamento no peito dos desesperançosos cirurgiões.

Com a ampla aceitação desses novos paradigmas, a capacidade do sistema imunológico de reconhecer e combater o câncer, que foi tópico altamente controverso durante grande parte do século XX, hoje pede revanche, não só para se vingar, mas dar fôlego à humanidade.

A coisa não veio a pari passu com a quimioterapia. Foi um trovão. Qualquer cirurgião que tenha montado no seu pégasus, ou mesmo na SpaceX, e viajado para outro planeta para passar menos de dez anos por lá, ao tentar retornar para seu campo de atuação, certamente tomará um susto ao tentar entender essa sopa de letrinhas que transita pelo novo léxico oncológico. Algo como uma epifania.

Esse pilar paradigmático moderno permaneceu duvidoso e controverso por longo período. Por quê? É merecendente de discussão franca, mas nada que uma releitura mais otimista faça-nos entender que a genética, trancafiada no núcleo celular, teve que se converter em genômica para romper o grilhões e alcançar o meio médico e nos encantar. Foi o pó do pirlimpimpim que a biologia molecular nos proporcionou!

A literatura médica todos os dias tem espasmos e parteja novidades com eventos decisivos que nos levam à aceitação da imunoterapia e outras terapias como regime viável para o tratamento das neoplasias. A última boa-nova é o tratamento peri-operatório (imunoterapia-cirurgia-imunoterapia) que acaba de ser aprovado pela nossa ANVISA. É o Durva novamente. E aqui tomo emprestado a intimidade dos oncologista com o Durvalumabe. 

São marcos de ensaios randomizados e o desenvolvimento de sistemas de modelos críticos de laboratórios. O conjunto da obra amplia nossa compreensão da biologia do câncer e da imunologia tumoral ao permitir avaliação mais rápida da eficácia e segurança de novas abordagens e, em última análise, fornecer banco de dados mais rápido para a transição, cuja cirurgia é parte dessa virada, assim como ocorre com a tuberculose multirresistente (TBMR).

Aliás, vale ressaltar que parte do tratamento da TBMR, assim como da falência do tratamento das micobacterioses não tuberculosas valem-se do que se outorgou hoje como tratamento peri-operatório usado no câncer.

Então continuemos enfrentando essa nova cirurgia como "resgate" da velha tísica. Só assim olhamos para esse presente sem desaquecer o passado.


Bibliografia

Van Breussegem A., Hendriks J. M., Lauwers P., and Van Schil P. E., “Salvage Surgery After High‐Dose Radiotherapy,” Journal of Thoracic Disease 9, no. S3 (2017): S193–S200

Beatrice Leonardi , Gaetana Messina , Giuseppe Vicario, et al. Rescue Surgery for Advanced Stage Lung Cancer: A Systematic Review. Thorac Cancer. 2025 Aug;16(16):e70151.

William K DeckerRodrigo F da SilvaMayra H Sanabria. Cancer Immunotherapy: Historical Perspective of a Clinical Revolution and Emerging Preclinical Animal Models. Front Immunol. 2017 Aug 2;8:829.


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