A sociedade médica paraense respira fundo antes do ataúde ficar soterrado.
A corda range a cada centímetro da descida e a claridade pisa leve no sensorial daqueles que um dia receberam os seus ensinamentos.
A fenda aberta na terra estala como fogo mordendo lenha.
O professor envelhecido, com os olhos recolhidos e sem lágrimas, recolhe as nossas para umedecer o próprio passado.
Parece-nos voltar a balbuciar segredos de como se examina o epicôndilo medial.
Parece-nos sorrir o sorriso magnetizado pela alegria de viver.
Pede que se guarde as anotações mais importantes para o exercício da profissão: retratos desse passado, anotações de rodapé, grifos que se enredam na paisagem do amanhã.
Há uma ameaça de chuva que não ocorre.
Os livros pesados que usamos tornam-se mais leves após cada ensinamento.
A cidade murmura ao longe o fim do mestre, ao arrastar o último passo antes de caminhar para a partida.
Ele estudou a natureza íntima da academia, e a
delicadeza do que sobra quando a voz enrouquecida se pronuncia: “pega esse pra
adoçar a tua vida”.
A mão, que um dia acalentou as páginas de anatomia humana, agora segura o copo e bebe o cálice da salvação.
E o copo de alumínio combina coma cor do
bule para o último gole do cafezinho, agora amargo.
A minha cena descrita pede discrição. Estou alhures, mas com olhares diluviando.
O traço do professor se deslocada mais um pouco para baixo e a terra recolhe o
pequeno corpo deformado pela conversão cirúrgica - certas idades não permitem trancos
e incisões que ultrapassem o tamanho daquele homem.
Não vim aqui para explicar nada, mas para iluminar o pano de fundo que
deixou vazio nossas salas de aulas e meu caderno de anatomia.
Tornou-se um atlas da aventura humana.
Foi acolhido por seus alunos até a
última arfada e por sua família afável, que guarda saber cifrado na melodia da
generosidade.
Vieram muitos títulos, mas o que ficou foi a densa marca daquele
professor que nos ensinou a sonhar na hora de receber o grau para subir os degraus
daquela escadaria da Paz..
Obrigado, professor Geraldo Pereira.
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