domingo, 7 de setembro de 2025

Ao saudoso mestre... com carinho

A sociedade médica paraense respira fundo antes do ataúde ficar soterrado. 

A corda range a cada centímetro da descida e a claridade pisa leve no sensorial daqueles que um dia receberam os seus ensinamentos. 

A fenda aberta na terra estala como fogo mordendo lenha. 

O professor envelhecido, com os olhos recolhidos e sem lágrimas, recolhe as nossas para umedecer o próprio passado. 

Parece-nos voltar a balbuciar segredos de como se examina o epicôndilo medial. 

Parece-nos sorrir o sorriso magnetizado pela alegria de viver. 

Pede que se guarde as anotações mais importantes para o exercício da profissão: retratos desse passado, anotações de rodapé, grifos que se enredam na paisagem do amanhã.

Há uma ameaça de chuva que não ocorre.

Os livros pesados que usamos tornam-se mais leves após cada ensinamento. 

A cidade murmura ao longe o fim do mestre, ao arrastar o último passo antes de caminhar para a partida. 

Ele estudou a natureza íntima da academia, e a delicadeza do que sobra quando a voz enrouquecida se pronuncia: “pega esse pra adoçar a tua vida”.

A mão, que um dia acalentou as páginas de anatomia humana, agora segura o copo e bebe o cálice da salvação. 

E o copo de alumínio combina coma cor do bule para o último gole do cafezinho, agora amargo.

A minha cena descrita pede discrição. Estou alhures, mas com olhares diluviando. 

O traço do professor se deslocada mais um pouco para baixo e a terra recolhe o pequeno corpo deformado pela conversão cirúrgica - certas idades não permitem trancos e incisões que ultrapassem o tamanho daquele homem.

Não vim aqui para explicar nada, mas para iluminar o pano de fundo que deixou vazio nossas salas de aulas e meu caderno de anatomia.

Tornou-se um atlas da aventura humana. 

Foi acolhido por seus alunos até a última arfada e por sua família afável, que guarda saber cifrado na melodia da generosidade.

Vieram muitos títulos, mas o que ficou foi a densa marca daquele professor que nos ensinou a sonhar na hora de receber o grau para subir os degraus daquela escadaria da Paz..

Obrigado, professor Geraldo Pereira.

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