quinta-feira, 11 de janeiro de 2007
Convalescência no Murubira
Arquivo IBGE. Vila do Mosqueiro - Belém
"Isto aconteceu no Pará, há muito tempo; tinha acabado a gripe de espanhola e eu ia fazer oito anos.
Papai, o homem mais forte do mundo, o mais bonito e o mais valente, quase morreu de gripe e estava tão magro, tão brando e tão medroso, que não tinha coragem de sair na rua sozinho. Eu é que andava com ele, de braço dado feito uma moça. Na hora que teve a vertigem, em pleno Largo da Pólvora, e quase cai na calçada, fui eu sozinha que chamei o automóvel; e quando o carro buzinou da porta de casa e mamãe correu, chorando, fui eu que disse para ela que não se assustasse, que não tinha sido nada.
Papai voltou para a cama, e o médico disse que ele precisava convalescer na praia. Fomos, então, para o Murubira, no Chapéu Virado; lá o mar não é mar, é o rio: as ondas são de água doce; nas praias de areia branca há enormes mangueiras centenárias, e aqui e além, debaixo das árvores, pequenos chalés de madeira, leves e rústicos, pintados de listras de cor.
Eu já sabia nadar e passava os dias de roupa de banho, brincando sozinha, pescando marisco à beira d'água; estava tão queimada, tão corada, tão crescida, que parecia ter nascido ali; e talvez nem me lembrasse mesmo de outra existência e de outros lugares, tão feliz vivia, tão solta, entre a areia e o mar."
Rachel de Queiróz. A donzela e a moura torta IN Pará, Capital: Belém. Memórias & Pessoas & Coisas & Loisas da Cidade (Haroldo Maranhão, organizador). Prefeitura Municipal de Belém, 2000.
Postado por
Itajaí
às
22:54
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Cultura
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