terça-feira, 10 de abril de 2007

Marin Strel, Madame Odonais e o Amazonas

O feito do nadador esloveno Marin Strel, façanhudo homem-peixe que nadou os 5.430 km do Grande Rio das Amazonas, desde o Perú até a foz, aportando ao fim na quase pentacentenária Belém, traz-me a lembrança de aventuras épicas, algumas hoje pouco lembradas, que revelaram ao mundo o Mar Dulce, suas formidáveis riquezas e o fizeram mitológico até hoje, século XXI.
Foi heroismo sangrento das expedições coloniais de conquista, escrita por gente como os pioneiros Freis Gaspar de Carvajal e Cristóbal Acuña. Um descendo a grande calha fluvial com el Capitan Orelanna en unión de 56 hombres (1541) e o outro a subindo com Pedro Teixeira desde Belém até Iquitos, no Peru (1641).
E foi também heroismo científico, simbolizado nos trabalhos de Von Humboldt, La Comdamine, Alexandre Rodrigues Ferreira, Margareth Mee e de Curt Nimuendajú, investigadores que nos legaram um conhecimento até hoje útil para a compreendermos a região como objeto de pesquisa para a civilização ocidental.
Mas, de todas essas aventuras indissociáveis da conquista do Amazonas, ou da Amazônia, para dizer mais certo, existe uma pouco lembrada, a de uma mulher.
Madame Isabelle Godin de Odonais, viveu no século XVI e era senhora de celebrada beleza e posses, mas enclausurada no lar conforme foi costume na América colonial hispano - portuguesa, como herança dos tempos em que os mouros dominaram a Península Ibérica. Pois aconteceu dessa mulher ver, de repente, diante de si não o inferno verde, mas a concretude terrestre do Inferno de Dante Alighieri.
Quando em viagem para encontrar o marido na Guiana, Mme. Odonais naufraga no Amazonas peruano e vê morrer o sobrinho de 12 anos, os dois irmãos e as três empregadas de confiança. Em desamparada solidão sobrevive na selva, calçada apenas com o que restara dos sapatos dos mortos, depois em total nudez, compreendendo em cada passo incerto o significado infernal da advertência Vós que entrais, deixai aqui fora, qualquer esperança.
Quando enfim entrou em Loreto, auxiliada por indígenas assustados com a sua figura espectral que vagueava na mata de terçado em punho, percebeu que a notícia da tragédia, conhecida de todos, dali em diante seria redimensionada com os elementos de determinação, firmeza e sorte que lhe permitiram vencer em meio tão hostil quanto inexplorado. Foi dali resgatada pelo pai e finalmente navegou os restantes 3.218 km ao encontro do marido. Até 1772 a família Odonais residiu na Guiana, às margens do Rio Oiapoque, quando então retornaram em definitivo para a França, reunindo-se a La Comdamine, de quem o esposo de Mme. Odonais era um importante colaborador nos trabalhos científicos realizados na América do Sul.

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