Comentando o post O quintal nosso de cada dia publicado na terça, que trazia à ribalta (obrigado, professor) o artigo Meus amigos são baratos de Edyr Augusto, Oliver, ativo blogueiro do Flanar, modestamente, acrescentou muito ao cenário do decadente entorno da Presidente Vargas. Tão modestamente que o fez na caixinha de comentários do post original.
Tomo à liberdade de "ribaltar" (perdôem-me, por favor) suas considerações, de suma importância histórica.
PS: desculpem a modorrenta descrição dos tortuosos caminhos da blogosfera. Mas é assim mesmo. Blog cita blog, que cita blog....
PS2: nossas caixinhas de comentários tem andado floridas. Ricas em conteúdo. Ao que honrados, agradecemos.
Li o texto de Edyr Augusto. Não o conheço pessoalmente, embora minha mãe lembre dos Proença com a satisfação de um tempo em que todos se conheciam numa Belém, em que, embora existissem desigualdades sociais, havia uma cordialidade que nos mantinha de pé, honestos e confiantes no futuro que não sabíamos exatamente onde iríamos chegar.
Quanto a produção literária de Edyr Augusto tenho acompanhado desde conversas com amigos comuns, como é o caso de Haroldo Maranhão, recentemente falecido, de quem sou afilhado. Li de Proença, presenteado por Rômulo Paes, amigo de infância e aplicadíssimo leitor da literatura brasileira contemporânea, o Casa de Caba, uma novela que denuncia a violência paraense em seu cerne social, de que acontecimentos muito recentes ilustram a pertinência da obra.
Mas é outra minha relação com o memorável bairo da Campina.
Quase nasci nele, numa casa na 1o. de março, logo atrás da residência dos Martins Júnior (hoje as Lojas Americanas). Aos nove anos retornei ao bairro, que ainda apresentava uma escola de samba que, hoje, tive notícias pretendem ressuscitar.
Fiz todo o meu curso primário na Escola de Aplicação Profa. Serra Freire, anexa a Escola Normal, o IEP. Sou do tempo em que o prédio do Conselho Estadual de Cultura, também abrigava uma escola hoje extinta, o Grupo Escola Floriano Peixoto.
Depois, vindo do outro lado da Praça da República, morando de frente para o Teatro da Paz, começei na ante-adolescência a conhecer a Campina em seus desafios de interpretação: entre familiar, boêmio e marginal. Ví de tudo: de moças avoando feito passarinhos - do Manoel Pinto da Silva - a bombas do CCC estourando bancas de revistas nos últimos suspiros da ditadura. E aqui eu quero ressaltar a figura do Albino, que com destemor vendia o que devia ser vendido para o melhor conhecimento da situação brasileira. Albino foi responsável por uma parte de minha formação cultural, que busquei na Livraria Martins (1o. de março com Aristides Lobo - alguém se lembra?), Sebo do Dudú (já no Comércio) e Nossa Livraria (na Serzedelo Correia, entre Gama Abreu e Bráz de Aguiar).
Contudo, os excluídos de meu tempo espelham o mundo de hoje, conforme o relato de Edyr Augusto. Sucederam-se em silenciosas gerações, embora destituídas de perfilhação natural. Naquele tempo era o tempo do Língua de Veludo, do Camelo, do Charuto, do Cheira Éter, da Vaca Braba, das prostitutas Lua (violentíssima), Neide Baleia (foi Rainha Moma) e Jóias Laura, esta completamente maluca e que lançou muita "tendência de moda" que agora vejo por aí na cena "fashion" brasileira. Guardada as proporções estéticas, Laura funcionava como uma espécie de Artur Bispo do Rosário local.
Conheci também a famigerada turma da Bailique, hoje quase toda morta de morte matada, ou morta para o nexo com a realidade que nos envolve. Esse foi o tempo em que a droga chegou pesada no bairro e, desconfio, que em Belém.
Nesse meu tempo vi eclipsar a luz boêmia do bairro. Um por um, Cascatinha, Universal, Biriba, Acapulco fecharam as portas. Uma por uma as "pensões de mulheres" encerraram os negócios - Mme. Fernanda, Mme. Anita, Pensão Zezé, Corredor Polonês (uma nesga de porta e janela, assim apelidada em memória da II Guerra Mundial), etc, submetidas ao tacão moralizante da ditadura. Sobrou como último bastião da putaria a decadente Riachuelo, para desespero dos ouvidos e das noites insones do Juvêncio.
Foi exatamente nesta zona que Rock Hudson, ainda não saído do armário, fez furor nas alcovas da alta zona de Belém, ao tempo do último conflito mundial.
E chegaram então boates como o Porão e o Papa Jimmy que disputavam com a saudosa Maloca quem melhor chacoalhava os ossos dos frequentadores.
Foi esse o tempo em que o belíssimo Grande Hotel veio abaixo e ergueram o insípido, estranho e estéril Hotel Hilton, que de certeza nem é conhecido pela mais famosa herdeira do conglomerado hoteleiro, a vazia Paris Hilton. Pois, foi nesse tempo que iniciamos nossa descida aos infernos.
5 comentários:
Não peça perdão, Flanar...nunca! coloque e pronto!
O Oliver me encanta, sempre !
Deveria escrever mais! Olhe, foi por pouco, mas eu ia roubar esse comentário, acreditas? Ia colocar amanhã!
Este seu comentário, Oliver, me fez cantar e dançar na chuva!
Beijos.
Bom final de semana.
Isso é que é uma postagem render! Maravilhoso comentário este. Está sendo uma delícia mergulhar um pouco mais no universo de uma Belém antiga e marginal, cujo conhecimento pode não trazer felicidade, mas nos livra do peso de carregar preconceito nas costas.
Parabéns ao blog, Edyr Proença e comentaristas.
Oliver, as usually, inspiradíssimo.
Já havia lido o comentário pela manhã.
Mas os PS's deste post, Flanar...rsrs...sensacionais.
O blog firma-se, devagar e sempre, como a mais agradável janela da blogosfera paroara.
Abs
Puxa Cris, Yúdice e... Professor!
Com seus estímulos, vamos levando a carroça sempre em frente.
Abs e obrigado!
O Juca fala e depois faz o mesmo...rsrs...não é Yúdice?
beijos.
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