O Brasil tem nova beata: Albertina Berckencrok foi beatificada sábado, em Tubarão, Santa Catarina. Compareceram à cerimônia religiosa um cardeal e 15 mil devotos. A jovem foi assassinada em 1931, aos doze anos, esfaqueada quando resistiu à tentativa de estupro por um empregado. Uma história de martirização e atribuição de milagres quase idêntica a de Severa Romana, santa do povo, a quem a Cúria paraense com soberba sempre deu as costas.
Embora a beata Albertina e Severa Romana representem expressões legítimas da religiosidade brasileira, não devemos esquecer que em vida foram exemplos da violência que se abate sobre a mulher no mundo. Quando estive na Espanha, este ano, fiquei espantado com o fato de existir naquele país o que os orgãos de comunicação espanhóis classificam como epidemia de violência masculina contra a mulher. Durante minha visita, foram assassinadas ao menos três e um vizinho de fundos com o meu apartamento deu uma surra na mulher, sem que os mossos da guarda, que é a polícia em Barcelona, fosse chamada para socorrer.
Mas, no Pará, assassínio de mulheres por motivos sexuais impressiona de longa data inclusive os poetas. Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha, em suas Obras Literárias (1850), publica um sentido soneto dedicado a mameluca Maria Barbara, mulher de um soldado, cruelmente assassinada no caminho da Fonte do Marco, perto da Cidade de Belém, por que preferiu a morte à mancha de infiel ao seu esposo.
Se acaso aqui topares, caminhante,
Meu frio corpo já cadáver feito,
Leva piedoso com sentido aspeito
Esta nova ao esposo aflicto, errante.
Diz-lhe como de ferro penetrante
Me viste por fiel cravado o peito
Lacerado, insepulto, e já sujeito
O tronco fêo ao corvo altivolante:
Que d'um monstro inhumano, lhe declara,
A mão cruel me trata desta sorte;
Porém que alívio busque à dor amara,
Lembrando-se que teve uma consorte
Que, por honra da fé que lhe jurara,
A mancha conjugal prefere a morte.
Embora a beata Albertina e Severa Romana representem expressões legítimas da religiosidade brasileira, não devemos esquecer que em vida foram exemplos da violência que se abate sobre a mulher no mundo. Quando estive na Espanha, este ano, fiquei espantado com o fato de existir naquele país o que os orgãos de comunicação espanhóis classificam como epidemia de violência masculina contra a mulher. Durante minha visita, foram assassinadas ao menos três e um vizinho de fundos com o meu apartamento deu uma surra na mulher, sem que os mossos da guarda, que é a polícia em Barcelona, fosse chamada para socorrer.
Mas, no Pará, assassínio de mulheres por motivos sexuais impressiona de longa data inclusive os poetas. Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha, em suas Obras Literárias (1850), publica um sentido soneto dedicado a mameluca Maria Barbara, mulher de um soldado, cruelmente assassinada no caminho da Fonte do Marco, perto da Cidade de Belém, por que preferiu a morte à mancha de infiel ao seu esposo.
Se acaso aqui topares, caminhante,
Meu frio corpo já cadáver feito,
Leva piedoso com sentido aspeito
Esta nova ao esposo aflicto, errante.
Diz-lhe como de ferro penetrante
Me viste por fiel cravado o peito
Lacerado, insepulto, e já sujeito
O tronco fêo ao corvo altivolante:
Que d'um monstro inhumano, lhe declara,
A mão cruel me trata desta sorte;
Porém que alívio busque à dor amara,
Lembrando-se que teve uma consorte
Que, por honra da fé que lhe jurara,
A mancha conjugal prefere a morte.
4 comentários:
Postagem perfeita, Oliver, seja pelo senso de humanidade, seja pelo caráter histórico-informativo, seja pelo belíssimo e comovente poema trazido. Um primor.
Com efeito, ao ver a reportagem sobre a nova beata brasileira, imediatamente me veio à lembrança Severa Romana - e o conseqüente questionamento sobre o motivo pelo qual nunca teve tratamento parecido.
No mais, tenho um livro muito interessante chamado "História do estupro: violência sexual nos séculos XVI-XX", escrito pelo professor francês Georges Vigarello e editado no Brasil por Jorge Zahar Editor, que traça um panorama estarrecedor sobre o modo como as mulheres foram tratadas sexualmente, ao longo do tempo. Há relatos deploráveis e uma análise valiosa sobre a violência sexual.
Fica a sugestão para quem se interessar.
Anotadíssima a sugestão. Aliás, a Jorge Zahar é uma editora de coragem. Publica livros sobre temática geralmente difícil, mas quase sempre imprescindíveis.
Abs.
Oi, Oliver.
Ontem a AL realizou uma sessão especial para homenagear os 140 anos de fundação do Grêmio Literário e Recreativo Português. Legal, não?
Quanto ao post, nesta mesma época, em 1932, Lacan defendeu sua tese de doutorado sobre o crime bárbaro das irmãs Papin, sobre "Da psicose paranóica em suas relações com a personalidade". O crime teve grande repercussão na França e foi, posteriormente, retratado no filme Entre elas (1994), dirigido por Nancy Meckler(peguei isso na net).
Acho que são "severas" qualquer tipo de crime, seja do homem para a mulher e vice-versa, de homem para homem e de mulher para mulher.
Mais "severas" ainda são os crimes de perda de nossos direitos, enquanto cidadãos. Não concordas?
Sei que estou indo por "atalho", não sei porque seus textos sempre me levam para as vicinais, acho que o que você escreve é muito claro, mas abre brechas para outras informações.
Gostaria que esses devotos - 15 mil, imagine, estivessem unidos e fortalecidos para lutar pela nossa dignidade.
Quando lembro de Hannah Arendet é porque ela foi magnífica em declarar a "banalização do mal". É isto que estamos vivendo.
Beijos.
Bom almoço.
Obs. Bela a poesia! Singular!
Ola gostria de saber mais sobre a Severa Romana, sobre a histária dessa mulher, q morreu aos 19 anos, mas eu não sei como, gostaria mesmo de saber mais ao seu respeito
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