Diz Ferreira Gullar que a obra de arte se impõe de sopetão ao olhar do aventureiro que a contempla. Uma inesperada fulguração, um relâmpago - diz o poeta e crítico de arte maranhense. Ao interagir conosco a arte impõe uma epifânia ao observador que o mergulhará numa relação íntima, profunda ou superficial, com a arquitetura (técnica e substrato material) e a intenção (a concepção do artista) que sustentam a obra em apreciação, derivando daí algum juízo de valor: repulsa, admiração, ou mesmo indiferença, que é a repulsa oca de sentimento.
Falo assim para ilustrar minha experiência recente ao apreciar dois livros de fotografia: Africa (1980, 2005) e Àfrica (2007). Dois títulos iguais, ambos com registros da vida no continente africano. A diferença está em quem fotografou e com que objetivo o fez. O primeiro, editado em inglês pela Taschen, tem como autora a artista Leni Riefenstahl, a mais importante diretora de cinema do III Reich, identificada por Hitler como símbolo da nova mulher alemã, sublinhando-se que, exigente, o ditador nazista não citava mais que cinco fraus e frauleins nessa categoria. O segundo, publicado pela mesma editora, em ortografia de Portugal, é de autoria do nosso mineiro Sebastião Salgado, considerado com fama internacional entre os melhores fotógrafos em atividade. O que enfim os distingue, além da técnica de registro das imagens, que naquela explodem em coloridos extasiantes e naquele se constroem em poéticos esfuminhos de claro-escuro? Exatamente a idéia.
Enquanto em Riefenstahl a África é uma orgia de cor, formas e volumes expostas em vitrine aos sentidos, agráfa de referência ao contexto histórico brutal do continente - como se fosse aquelas cúpulas de vidro onde sempre neva e neva num fim em si próprio -, em contrário, as imagens registradas por Salgado trazem a Àfrica na crua nudez da aventura humana. Ali vemos a aridez e a abundância da natureza, a resistência de corpos descarnados pela fome, pela sede, pela violência, mas teimosamente belos na esperança de superar suas longas caminhadas e exílios. Impossível ficar indiferente ao olhar do fotógrafo brasileiro e também ao belíssimo texto do moçambicano Mia Couto, de quem destaco o trecho a seguir:
Paira em todas estas imagens uma outra dimensão, a epopéia de povos que se descobrem em estado de adolescência. Sebastião Salgado confirma o poder mágico da imagem: desocultar os múltiplos sentidos do acontecido, libertar o tudo que poderia ter sido naquilo que simplesmente foi.
Falo assim para ilustrar minha experiência recente ao apreciar dois livros de fotografia: Africa (1980, 2005) e Àfrica (2007). Dois títulos iguais, ambos com registros da vida no continente africano. A diferença está em quem fotografou e com que objetivo o fez. O primeiro, editado em inglês pela Taschen, tem como autora a artista Leni Riefenstahl, a mais importante diretora de cinema do III Reich, identificada por Hitler como símbolo da nova mulher alemã, sublinhando-se que, exigente, o ditador nazista não citava mais que cinco fraus e frauleins nessa categoria. O segundo, publicado pela mesma editora, em ortografia de Portugal, é de autoria do nosso mineiro Sebastião Salgado, considerado com fama internacional entre os melhores fotógrafos em atividade. O que enfim os distingue, além da técnica de registro das imagens, que naquela explodem em coloridos extasiantes e naquele se constroem em poéticos esfuminhos de claro-escuro? Exatamente a idéia.
Enquanto em Riefenstahl a África é uma orgia de cor, formas e volumes expostas em vitrine aos sentidos, agráfa de referência ao contexto histórico brutal do continente - como se fosse aquelas cúpulas de vidro onde sempre neva e neva num fim em si próprio -, em contrário, as imagens registradas por Salgado trazem a Àfrica na crua nudez da aventura humana. Ali vemos a aridez e a abundância da natureza, a resistência de corpos descarnados pela fome, pela sede, pela violência, mas teimosamente belos na esperança de superar suas longas caminhadas e exílios. Impossível ficar indiferente ao olhar do fotógrafo brasileiro e também ao belíssimo texto do moçambicano Mia Couto, de quem destaco o trecho a seguir:
Paira em todas estas imagens uma outra dimensão, a epopéia de povos que se descobrem em estado de adolescência. Sebastião Salgado confirma o poder mágico da imagem: desocultar os múltiplos sentidos do acontecido, libertar o tudo que poderia ter sido naquilo que simplesmente foi.
4 comentários:
Oi.
"indiferença, que é a repulsa oca de sentimento". Discordo. É a falta de conhecimento de quem a contempla.
"O que enfim os distingue, além da técnica de registro das imagens, que naquela explodem em coloridos extasiantes e naquele se constroem em poéticos esfuminhos de claro-escuro? Exatamente a idéia". Discordo. É a visão do fotógrafo. O seu ponto de vista. Ele não criará nada. Apenas fará o registro, segundo a sua ótica.
"Enquanto em Riefenstahl a África é uma orgia de cor, formas e volumes expostas em vitrine aos sentidos, agráfa de referência ao contexto histórico brutal do continente - como se fosse aquelas cúpulas de vidro onde sempre neva e neva num fim em si próprio -, em contrário, as imagens registradas por Salgado trazem a Àfrica na crua nudez da aventura humana".
Discordo da análise como forma de pré-julgamento. A sua observação está interligada ao seu conhecimento em contexto histórico. Tente analisar as fotografias pura e simplesmente. Concordo que não existe neutralidade. Mas a arte não exige atrelamento aos conceitos existenciais. Ela instiga a sua imaginação e mexe com a sua sensibilidade. A natureza é colorida. E também "teimosamente
bela".
Caramba, adorei !
Abraços.
Boa noite.
Não sei como se pode apreciar a arte fora de seu contexto histórico. Seria a arte pela arte, que tanto Leini Riefenstahl buscou, a ponto de ser cegada ideologicamente sobre o regime que apoiava? Susan Sontag fez uma profunda crítica à obra da cineasta/fotógrafa alemã com base nessa pergunta, que recomendaria que você lesse.
Mas, concordei com um único ponto de tua intervenção, que é fundamental para tudo na vida: Não existe neutralidade. E em não existindo, obriga-nos a escolhas. Eu escolhi Sebastião Salgado, ainda que não negue valor artístico à obra de Leni Riefenstahl.
A propósito quem for a SP no próximo dia 9, o fotógrafo estará autografando o livro na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, na Av. Paulista.
Obrigado pela presença.
Bom dia, Oliver.
Se você agregar valor histórico à arte, ela deixará de ser somente arte. E aí que entra a questão fundamental - onde está o autor da obra. Eu sou capaz de apreciar uma obra de arte sem atrelamento. Ex. se você vai ao cinema e já sabe quem é o diretor, você vai "acompanhado". O seu olhar tem que estar em primeiro lugar. Depois vem o complemento. O encaixe na história. Às vezes até nem gostamos de determinada obra, mas só o nome do autor pesa, interfere na sua contemplação. Outro ex. adoro música erudita. Todos os meus sentidos conspiram em favor do prazer. Já existe pré-disposição. Que nem o sabor de alguma coisa. Quando provas o que é bom, reconheces a qualidade.
Quando se cria algo, penso desta forma, o que te move, está independente do seu olhar em primeiro lugar. No momento da criação, que é um outro instante, você vai agregando o que tem de conhecimento. Quando você faz os seus textos, não é o assunto que vem em primeiro lugar. É a sua inquietação. Durante a ação da produção você vai pinçando palavras que já estão dentro de você. Texto pronto, acabado. Palavras encantam, mas elas não ficam. Absorvemos a idéia central que partiu de você, que por sua vez, ficará em segundo plano. Se você é contratado para tirar fotos
de um evento qualquer, claro que ele(evento), estará registrado. Mas o que vai ficar é o seu olhar sobre o evento, que desaparecerá na imagem. Imagem pela imagem.
Eu não consigo pegar uma imagem e jogá-la dentro de um contexto sem antes admirá-la enquanto imagem, produção humana. Antes do click da máquina.
Ah! Quando você falar em "arquitetura" espero que esteja bastante inquieto... rsrs
À propósito, que horas vai ser o evento em São Paulo? rsrs
Abraços.
Obs. Eu odeio quando você agradece.
Mande um adeus, abraço, sei lá...
Os autógrafos devem ocorrer no comecinho da noite, quando em geral as sessões de autógrafo acontecem. De qualquer modo para tirar dúvida, penso que na página da livraria haverão orientações sobre. Abraços.
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