Sempre que há divulgação anual dos ganhadores do Prêmio Nobel, retorna a pergunta sobre a razão do Brasil ser um tradicional ausente nas diversas categorias. Os mais bairristas logo recordam que os argentinos e os chilenos já foram agraciados com a honraria, enquanto as artes e ciências de Pindorama ficaram a ver navios. Bem certo que, no caso de Dom Hélder Câmara, candidato ao Nobel da Paz, foi o governo brasileiro o principal responsável pelo malogro da candidatura. Na época, vivíamos a ditadura militar de 64 e o Bispo de Olinda representava um dos poucos religiosos da alta hierarquia da Igreja Católica que se atrevia a denunciar o arbítrio. Não deu outra. A diplomacia brasileira do arbítrio se moveu célere nos subterrâneos internacionais e com êxito fizeram naufragar a candidatura de Dom Hélder.
Em outros casos, porém, a razão de sermos ignorados pela Academia de Ciências de Estocolmo tem origem nos golpes dados abaixo da linha da cintura, bem mais frequentes entre cientistas do que possamos imaginar. Dois casos ilustram bem o assunto.
O primeiro é o de Rocha Lima, um dos mais profícuos cientistas brasileiros da primeira metade do século XX. Entre suas descobertas figura por exemplo a descoberta da etiologia do Tifo Epidêmico em 1916 (Rickettsia prowazekii), uma praga que ampliou a mortandade observada nas trincheiras e cidades arrazadas da I Guerra Mundial. Prestigiadíssimo, Rocha Lima foi condecorado com a Cruz de Ferro, a mais alta condecoração alemã, pelo próprio imperador daquele país. O nome dado ao microrganismo homenageia dois cientistas mártires da ciência, mortos por contaminação por tifo, quando pesquisavam a causa da doença.
Entretanto, o ganhador do Nobel de Medicina e Fisiologia de 1928 é o francês Charles Jules Henri Nicolle, exatamente por sua contribuição sobre Tifo Epidêmico. Rocha Lima nem sequer foi citado nos trabalhos do vitorioso, nem tão pouco nos discursos de entrega do prêmio. Dizem que o desgosto com o poder político da ciência francesa nos meios acadêmicos justificou para o cientista brasileiro aceitar a comenda de Cavalheiro da Àguia Alemã, em 1938, entregue pelo próprio Adolf Hitler. Pessoalmente não acredito nesta versão. Antes do término da Segunda Guerra havia uma disputa de palmo a palmo entre franceses e alemães pela hegemonia científica mundial. Rocha Lima pós-graduou-se na Alemanha e era um cavalheiro claramente germanófilo, a ponto de ser membro efetivo da Academia de Ciências da Alemanha, posição que manteve durante toda a vigência do nazismo alemão. Apesar de tudo, é inegável o valor de Rocha Lima para ciência brasileira, para qual contribuiu também como fundador da Escola Paulista de Medicina e da USP .
Outro com todas as chances de empalmar um Nobel de Medicina foi o notável Carlos Chagas. O caso do médico sanitarista mineiro é considerado por estudiosos da história da medicina como a maior injustiça cometida pelo comitê do prêmio para com o Brasil. Chagas havia identificado o Trypanosoma cruzi como a causa da doença que posteriormente receberia seu nome, desvendando todo o ciclo da enfermidade desde o inseto barbeiro até o homem, abrindo assim o caminho para a prevenção e o tratamento de uma patologia mortal.
Entretanto, a roda da intriga começou a girar e pesada. Médicos de outros países começaram a enviar cartas a Academia de Ciências de Estocolmo pondo em suspeição os resultados obtidos por Chagas no Brasil. Diziam que o brasileiro era um farsante e que a Doença de Chagas só existia na cabeça dele. Ao saber da baixaria, Chagas convidou os detratores a comparecerem ao Brasil para verificar não só os resultados laboratoriais, mas a doença no homem. Depois disso, embora a campanha internacional houvesse arrefecido, um pesquisador ainda manteve-se na trincheira vergonhosa da calúnia, sustentando as difamações. Confrontado com um cenário no limite do escândalo, o Prêmio Nobel intimidou-se e declarou que para o ano de 1921 o Prêmio na categoria Medicina não seria atribuído. Não pude saber quem liderou essa imoralidade contra Carlos Chagas, mas basta-nos saber que hoje, século XXI, mesmo sem Nobel, o nosso cientista lidera o recorde nacional de citações nominais no Web of Science e seu nome está inscrito para sempre nos anais da ciência mundial.
Em outros casos, porém, a razão de sermos ignorados pela Academia de Ciências de Estocolmo tem origem nos golpes dados abaixo da linha da cintura, bem mais frequentes entre cientistas do que possamos imaginar. Dois casos ilustram bem o assunto.
O primeiro é o de Rocha Lima, um dos mais profícuos cientistas brasileiros da primeira metade do século XX. Entre suas descobertas figura por exemplo a descoberta da etiologia do Tifo Epidêmico em 1916 (Rickettsia prowazekii), uma praga que ampliou a mortandade observada nas trincheiras e cidades arrazadas da I Guerra Mundial. Prestigiadíssimo, Rocha Lima foi condecorado com a Cruz de Ferro, a mais alta condecoração alemã, pelo próprio imperador daquele país. O nome dado ao microrganismo homenageia dois cientistas mártires da ciência, mortos por contaminação por tifo, quando pesquisavam a causa da doença.
Entretanto, o ganhador do Nobel de Medicina e Fisiologia de 1928 é o francês Charles Jules Henri Nicolle, exatamente por sua contribuição sobre Tifo Epidêmico. Rocha Lima nem sequer foi citado nos trabalhos do vitorioso, nem tão pouco nos discursos de entrega do prêmio. Dizem que o desgosto com o poder político da ciência francesa nos meios acadêmicos justificou para o cientista brasileiro aceitar a comenda de Cavalheiro da Àguia Alemã, em 1938, entregue pelo próprio Adolf Hitler. Pessoalmente não acredito nesta versão. Antes do término da Segunda Guerra havia uma disputa de palmo a palmo entre franceses e alemães pela hegemonia científica mundial. Rocha Lima pós-graduou-se na Alemanha e era um cavalheiro claramente germanófilo, a ponto de ser membro efetivo da Academia de Ciências da Alemanha, posição que manteve durante toda a vigência do nazismo alemão. Apesar de tudo, é inegável o valor de Rocha Lima para ciência brasileira, para qual contribuiu também como fundador da Escola Paulista de Medicina e da USP .
Outro com todas as chances de empalmar um Nobel de Medicina foi o notável Carlos Chagas. O caso do médico sanitarista mineiro é considerado por estudiosos da história da medicina como a maior injustiça cometida pelo comitê do prêmio para com o Brasil. Chagas havia identificado o Trypanosoma cruzi como a causa da doença que posteriormente receberia seu nome, desvendando todo o ciclo da enfermidade desde o inseto barbeiro até o homem, abrindo assim o caminho para a prevenção e o tratamento de uma patologia mortal.
Entretanto, a roda da intriga começou a girar e pesada. Médicos de outros países começaram a enviar cartas a Academia de Ciências de Estocolmo pondo em suspeição os resultados obtidos por Chagas no Brasil. Diziam que o brasileiro era um farsante e que a Doença de Chagas só existia na cabeça dele. Ao saber da baixaria, Chagas convidou os detratores a comparecerem ao Brasil para verificar não só os resultados laboratoriais, mas a doença no homem. Depois disso, embora a campanha internacional houvesse arrefecido, um pesquisador ainda manteve-se na trincheira vergonhosa da calúnia, sustentando as difamações. Confrontado com um cenário no limite do escândalo, o Prêmio Nobel intimidou-se e declarou que para o ano de 1921 o Prêmio na categoria Medicina não seria atribuído. Não pude saber quem liderou essa imoralidade contra Carlos Chagas, mas basta-nos saber que hoje, século XXI, mesmo sem Nobel, o nosso cientista lidera o recorde nacional de citações nominais no Web of Science e seu nome está inscrito para sempre nos anais da ciência mundial.
4 comentários:
Boa noite, Oliver.
Nós que vivemos na academia conhecemos essa realidade.
Estou lendo a Veja desta semana e na coluna Ponto de Vista, com Stephen kanitz, sobre o tema "Intenções por trás das palavras", ele fala de "agenda oculta". Gostamos de palavras bem elaboradas e não de pesquisas - "ignoramos solenemente os que fazem parte de nossa Academia Brasileira de Ciências, que descobrem a essência do que ocorre na prática, as causas de seus efeitos, os que usam o método científico de análise".
OK. Concordo com ele.
Mexeu comigo. Por que? Olhei pelo lado da mídia. Por coincidência, de um tempo pra cá, estou tendo acesso a informações de produções acadêmicas interessantes, mas na condição de "bate-papo". Sabes, conheces alguém que fala de algo diferente e importante. Caramba, como isso não está na mídia? Porque as pessoas que detém o conhecimento, a prática científica, não têm, e é até paradoxal, conhecimento da importância do compartilhamento dessa informação. Aí, tento fazer a minha parte. Mas a pessoa não pode, depois marca a entrevista e dá furo. Enfim, fico sem a informação. E vai passando. No seu post você coloca essa questão como ponto de interrogação para alguns pontos obscuros. Por que?
Por que essa "agenda oculta" ? Essa que é a tal da agenda oculta para mim. E não os que falam bem. Oculto não está na nossa falta de interesse em saber. Oculto está na falta de quem faz acontecer fazer acontecer.
Olhe, hoje mudamos o blog por questão técnicas e não estéticas. A Patrícia fez todo o trabalho, já que trabalhei durante o dia. Agora que estou visitando os blogs. Visite-nos e dê uma olhada. Espero que gostes. Todos gostem. Tem de tudo, até crisântemos.
Gostei muito deste post, sem tirar o mérito dos anteriores.
Bom final de semana.
Abraços.
Muito boa a postagem, Oliver. Eu não conhecia esses detalhes, apesar de me perguntar por que o Brasil nunca conseguiu o prêmio, se temos tantos expoentes, p. ex. na literatura. Ainda há o caso de Chico Xavier, que não chegou perto de ser laureado, apesar do empenho de certos brasileiros.
Cris, obrigado pelo comentário sobre as sombras do mundo acadêmico. Irei ao blogue com certeza. Abs.
Yúdice, ainda tem o César Lattes que não abordei entre os quase Nobel brasileiros. Um amigo meu, com gaiatice, diz que existe um Nobel brasileiro, ao que parece de Fisiologia, sei lá. Na realidade o cientista (não lembro o nome agora), é anglo-brasileiro. Só nasceu aqui em Pindorama.
De nada, Oliver. Economia é um bom ponto de pesquisa. De palavras então...
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