terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Armas, para quê?

Ontem, um promotor de Justiça matou a tiros um motoqueiro que supostamente teria tentado assaltá-lo em um semáforo em frente ao Parque Ibirapuera, em São Paulo.

O promotor Pedro Baracat Guimarães Pereira alega que Firmino Barbosa, o motoqueiro, o teria abordado quando ele se encontrava parado, aguardando o sinal verde. Ao anunciar o assalto, Firmino teria feito o movimento de quem iria sacar uma arma. Pedro Baracat sacou primeiro sua pistola e disparou vários tiros contra o motoqueiro.

Com o motoqueiro, foram encontrados cinco relógios, mas nenhum revólver. Tampouco Firmino tinha antecedentes criminais. A família afirma que ele era motoboy, não assaltante.

Duas testemunhas, porém, em depoimento prestado à Polícia Civil, encontraram seus relógios dentre os pertences que estavam com Firmino. Disseram ainda ter reconhecido o motoboy como sendo o homem que os assaltara, em dias diferentes - um, quarenta minutos antes do confronto, outro no dia anterior -, ambos na mesma redondeza.

Certamente, a defesa do promotor alegará legítima defesa putativa, argüindo que Pedro foi levado a crer que o motoqueiro portava uma arma e que a utilizaria, caso não tivesse reagido primeiro (não é isso, professor Yúdice?). O testemunho dos demais assaltados reforçará a tese.

O que assusta, entretanto, é a quantidade de crimes envolvendo promotores de Justiça e juízes armados que a crônica policial tem tornado pública ultimamente.

À parte este último caso, em dezembro de 2004 o promotor Thales Ferri Schoedl matou a tiros Diego Mendez Modanez, por ter este, juntamente com outros rapazes, mexido com sua namorada, Mariana Bartoletti. Segundo Thales, Diego, Felipe Siqueira Cunha de Souza (que também foi atingido pelos tiros, mas sobreviveu) e os demais amigos que os acompanhavam teriam ameaçado, perseguido e agredido verbalmente o promotor, que atirou para o chão para assustá-los e acabou ferindo mortalmente Diego.

Em fevereiro de 2005, o juiz Pedro Percy Barbosa de Araújo assassinou, também a tiros, o vigilante José Renato Coelho Rodrigues, dentro de um supermercado em Sobral (CE). O crime foi registrado pelas câmeras do circuito interno do estabelecimento, comprovando ainda que o homicídio foi cometido de modo covarde, pelas costas do agredido.

Não quero discutir nada relacionado diretamente aos crimes – apesar de, no caso do juiz cearense, ele já ter sido condenado em 1ª instância a 15 anos de prisão. O que me interessa debater, neste post, é o porte de armas por cidadãos que possuem uma fonte de poder legal – suas togas e becas.

Evidentemente, haverá quem alegue, no caso do promotor de São Paulo, que se ele não tivesse armado, poderia ser morto pelo suposto assaltante. Mas o fato é que o motoqueiro não estava armado. Não haveria risco, portanto, na entrega, pela vítima, de seus pertences ao algoz.

Em segundo lugar, a vingança privada não é mais um instrumento tolerado pelo Estado. Bandido bom não é bandido morto: bom é bandido preso, em condições humanas, com chances de recuperação e de ressociabilização, após sua saída da cadeia, e com o Estado preservando a dignidade de sua família durante o período de encarceramento. É isso o que fazem os cartéis criminosos, na ausência do Poder Público. É este o papel que o Poder Público tem que exercer, não deixando o futuro sob o controle do crime organizado.

Terceiro: as estatísticas de crimes não diminuem quando a população está armada. A realidade salta a olhos vistos: o armamento da população civil, mantido com o fracasso da campanha do referendo de 2005, não melhorou os índices de segurança pública. Ninguém ignora que a criminalidade tenha recrudescido desde então.

É evidente que algo muito errado está ocorrendo na sociedade brasileira, se os detentores do poder legítimo já não se sentem mais seguros, ou acreditam que, além do poder legal, devem se valer de uma fonte de poder real e imediata para impor autoridade.

2 comentários:

Yúdice Andrade disse...

Eu alegaria legítima defesa real, como chamam alguns, pois mesmo o motociclista desarmado poderia roubar e até ferir, usando as mãos, prevalecendo-se da surpresa e do susto do condutor. A idéia não é surpreendente, considerando o estado de medo com que, sabidamente, as pessoas andam hoje em dia. Corremos risco a pé, de ônibus, de carro, do jeito que for. É, pois, uma versão plausível, considerando que teria havido reação a uma agressão injusta, só que essa agressão seria o roubo em si, não uma violência pessoal.
Devido ao requisito do uso moderado dos meios necessários, como tese alternativa cabe a legítima defesa putativa, pois o medo de morrer justificaria uma reação tão abrupta. Também aqui as estatísticas criminais favorecem o promotor: todos sabemos que, nesse tipo de abordagem, o assaltante sempre está armado. É impressionante que, nesse caso, o agente não estivesse (se era mesmo um assaltante, claro). Portanto, o promotor teria pensado como qualquer um pensaria.
As duas testemunhas refoirçaram os argumentos do promotor. Se, por hipótese, ele fosse a julgamento, seus julgadores se poriam no lugar dele, o que resultaria numa absolvição. É o que acredito.
No mais, sim, tens toda a razão ao destacar que juízes e membros do MP têm aparecido com constrangedora freqüência nos noticiários criminais. Endosso, também, o alegado sobre portar armas para defesa pessoal.

Francisco Rocha Junior disse...

Yúdice, obrigado pela sua participação e, claro, pela verdadeira aula de comentário.
Abs.