quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Lei do "Bem Morrer"

O último boletim da Associação Brasileira de Medicina Intensiva, entidade associativa dos médicos intensivistas, traz uma importante notícia que trago à ribalta do blog para apreciação.
Apenas para percebermos como outras sociedades, que inclusive possuem uma esmagadora maioria católica, estão avançando no tema.

Lei garante aos doentes terminais rejeitar a vida prolongada para tratamento. Conheça a opinião da AMIB em relação ao tema.

O Distrito Federal mexicano passa a ter a partir de 9 de janeiro, a lei do ‘bem morrer\', que regula o direito dos doentes terminais de rejeitar ter sua vida prolongada por tratamento médico. A lei foi publicada na última terça-feira, 8, na \'Gazeta Oficial do Distrito Federal\' sendo que o governo possui 90 dias para elaborar os regulamentos da lei. A medida é válida para os 28 hospitais estaduais da metrópole e não nos federais.
(Fonte: Saúde Business WEB)

Sob a ótica da AMIB – "No Brasil, ainda não é estabelecido o direito do médico de interromper um tratamento. Não existe lei que o proteja. Em conjunto, a AMIB e o Conselho Federal de Medicina(CFM) lutam para que os pacientes terminais tenham o direito a uma morte digna. No caso da medicina intensiva que não seja prolongado o morrer por métodos artificiais em pacientes terminais na UTI", afirma Dr. Rachel Moritz, Presidente do Comitê Científico de Terminalidade.

Já, a psicóloga Raquel Pusch, Presidente do Departamento de Psicologia,destaca que a morte não é um tema neutro."Não temos leis que protejam os profissionais, mesmo assim precisamos proteger os pacientes,fazendo algo que a dignidade da vida prevaleça num local onde a tecnologia predomina. Não se tem definido um limite de atuação da autonomia médica. Não existe uma legislação que dê o norte".

7 comentários:

morenocris disse...

Caramba, Flanar, este assunto que você levanta é muito polêmico. Quando um paciente entra em um hospital, é de inteira responsabilidade deste, aquela pessoa. Isso é muito sério. Olhe, as pessoas não conseguem ver por este lado. Médicos, enfermeiras, administração, todos estão trabalhando para manter a vida daquele ser humano. Pelo menos tentando. Conheço situações e que infelizmente não posso detalhar, em que o hospital e seu corpo profissional está mais para proteger a vida de alguns pacientes da própria família. Caso contrário...o hospital pagará a conta!

Agora já viu, com essa autonomia médica, o que dá a entender que você é favorável, falando em Brasil, não teríamos problemas ?

Beijos.

Carlos Barretto  disse...

Muito boa pergunta, Cris. E vem com certeza de uma boa jornalista que vc é.
Juro pra vc que estava esperando esta pergunta há meses, desde que comecei a postar sobre o assunto.
Mas ninguém a fazia. Tal a montanha de tabus existentes a respeito do assunto.
Vamos então começar a respondê-la.
É exatamente por temores mil existentes na sociedade, advindos da desinformação, que a discussão não avança no Brasil.
Muitas pessoas, tem até medo de serem "enterradas vivas".
Mas o princípio do que defendemos sim arduamente é bem diferente. Defendemos que as pessoas, diante de quantos pareceres quiserem e necessitarem para apoiar sua decisão, tenham o direito de optar pela morte natural e sem sofrimento de estar conectada a aparelhos, que diante de circustâncias irremediáveis bem conhecidas na área médica, nada farão além de prolongar a morte (não a vida).
Compreende o ponto?
Ninguém está propondo que os médicos tenham o direito de tomar esta decisão, que continuará cabendo ao paciente, em pleno gozo de suas faculdades mentais.
Acredite. Para os médicos é tão difícil quanto para o paciente em tomá-la.
O que acontece juridicamente no Brasil e em quase todo o terceiro mundo, é que não existe lei que ampare esta "decisão do paciente". Na atual conjuntura, se o paciente devidamente informado e convicto de sua terminalidade, cheio de dores, falta de ar, deterioração física e mental, não tem o direito de optar em não ir para uma UTI e morrer tranquilamente com todo um arsenal terapêutico de alívio de sintomas e não determinantes imediatos do óbito, ao lado de seus entes queridos.
Os médicos são legalmente obrigados a levá-lo para as UTIs colocar-lhes tubos, e mantê-lo ali por dias, meses a fio, até que Deus dê sua decisão final.
Se não o fizerem, podem memso ser processados na lei brasileira.
Os casos incluídos neste cenário, não são aqueles que abundam no imaginário popular, daqueles casos em que fulano ficou em coma por 8 anos e ao fim e ao cabo, acordaram.
Estes casos NÃO estão previstos na proposta de ortotanásia defendida por mim, pelos intensivistas e pelo Conselho Federal de Medicina.
Ortotanásia siginifica "morte natural". Aquela em que as pessoas "passarinham" ao lado de seus entes queridos, que cada vez menos vemos, em função do enorme avanço da tecnologia de suporte à vida, que entretanto, é óbvio, não garante a imortalidade em variados casos. Muito ao contrário, podem acabar mesmo por apressar o óbito sempre trazendo muita indignidade, nas salas frias, feéricamente iluminadas das UTIs, ocupando precisos leitos que devem ser reservados a pacientes com salvabilidade definida.
Existe aí também, nestas duas palavras ("salvabilidade definida") outro dos inúmeros tabus e/ou mitos advindos da desinformação.
A medicina moderna tem bem claras estas situações de terminalidade. O limite final, o fim, quando todos os esforços se esvaem, quando o corpo para.
E principalmente o paciente, sabe muito bem seu sofrimento.
Portanto a principal justificativa para defendermos esta posição, é de caráter humanitário.
Todos os demais possíveis benefícios que possam surgir da regulamentação da ortotanásia, são secundários e não necessariamente indesejáveis, mas secundários.
Perceba que não só seio da população de usuários residem as resistências. Mas também e principalmente, entre muitos médicos, pelo temor de ações judiciais por omissão de socorro, bem como por princípios éticos, morais, religiosos, etc. Neste ponto, médicos e população estão irmanados na resistência e nos motivos para tal: desinformação.
Espero ter esclarecido um pouco mais.
Mas continue perguntando.
Só poderá nos ajudar.

Bjs

morenocris disse...

Bom, acho que o problema está na impossibilidade do paciente se pronunciar, não é isso tb? Independe de todo esse processo em que vc foi brilhante em responder. Você é muito bom. Agora, como saber o desejo daquele paciente, se ele não tem condições de falar? Você não pode decidir se devo ou não continuar vivendo. Mesmo que seja da família. No entanto, o que precisa ser esclarecido, é que nesses casos, o paciente já não existe. É uma boa briga.
Precisamos ser esclarecidos tb, sobre as situações que podem possibilitar essas saídas. Por exemplo, quais são os casos em que devemos tomar decisões extremas?
Como ter certeza? Quem garante?
Você está me entendendo?

E ainda quando o paciente tem a possibilidade de se expressar, mas não pode, como vc explicou. Não é um suicídio, é o seu desejo. Mas tem respaldo legal que impede. Então, quanto se gasta com um paciente nessa situação? Quais são os exemplos?

Onde está a resistência? É a família? São os condicionantes éticos, morais, legais, religiosos...?

Beijos.

Carlos Barretto  disse...

Beleza, Cris.
Todas as situações onde há impossibilidade em se definir a terminalidade estão excluídas do escopo da ortotanásia.
Nestes casos, os médicos costumam atuar sempre pró manutenção do suporte básico de vida.
Portanto, vamos excluir TODAS as situaçoes onde existem dúvidas sobre a terminalidade.
Mais ou menos como os juízes atuam: in dubio, pro reu.
Todo o processo decisório está intimamente ligado a uma completa interação com todos os membros da família e seu paciente.
Os médicos, acredite, NUNCA tem coragem de tomar a iniciativa de nada neste sentido. O que sempre ocorre, na maioria das vezes, é o paciente solicitando, tal o grau de sofrimento embutido na doença terminal que lhe acomete.
São neoplasias em estado avançado, com metástases disseminadas, deterioração física, dores implacáveis entre outros desconfortos. Doenças respiratórias obstrutivas crônicas, com fibrose pulmonar que é a fase terminal de tudo. Nesta terrível situação, o pulmão não consegue mais se distender para absorver oxigênio e expelir CO2. Sabe como se morre nesta situação? Com falta de ar até o fim.
E não adianta botar em ventiladores pois o paciente jamais de lá sairá.
E ainda terá sua morte prolongada or vários dias, meses, etc.
Existem vários outros exemplos que poderia elencar aqui. Afinal, quando chega a hora de morrer, todas as doenças confluem para o mesmo lugar.
Geralmente, as doenças do escopo da ortotanásia, são aquelas de acometimento crônico, em que o processo de deterioração é lento, o que permite que todos, médicos, pacientes e familiares, amadureçam a realidade de que a morte é certa e inevitável.
Estão excluídas de um modo geral portanto deste escopo, aquelas quando o acometimento é súbito e potencialmente reversível. Muito embora possam existir doenças que levam subitamente a uma situaçào de terminalidade.
Perceba que os médicos JAMAIS farão a proposta da morte natural a ninguém. Neste ponto, vc tem toda razão. Este inclusive, é um dos problemas para os doentes que desejam morrer, plenamente cientes de sua terminalidade.
Portanto, a ortotanásia que falamos, é aquela em que estão obrigatoriamente excluídas quaisquer dúvidas ou impedimentos e/ou objeções por parte de qualquer membro da família, o paciente e os médicos.
Se algum membro da família se opuser a NÃO INSTALAÇÃO DE SUPORTE BÁSICO DE "VIDA", o médico prontamente NÃO tomará a decisão nunca. E acredite, esta é de fato a disposição natural dos médicos. A de SEMPRE instalar suporte básico de vida em todos.
Portanto, respondendo a sua última pergunta, as resistências vem de todos, menos daquele que está sofrendo terrivelmente com sua doença.
No atual cenário, o impedimento maior é na justiça, que parece ainda não estar devidamente esclarecida sobre o assunto, e jogou a discussão para o Congresso Nacional.
Agora eu lhe pergunto: levando em conta a "popularidade" desta questão, quando será discutida no congresso?

Bjs

Carlos Barretto  disse...

Quanto aos custos de suporte básico de vida, costumo dizer que tocar neste assunto, talvez não ajude a sociedade a compreender a tônica real da lei.
Pode se sentir compelida a raciocinar criando mais um mito de que "eles querem economizar matando meu pai, minha mãe, etc.
Mas feita a ressalva de que a tônica da ortotanásia é eminentemente humanitária e de que todos os possíveis benefícios (e eles existem) são de caráter secundário, tentaremos te esclarecer.
Se formos computar os custos de manutenção diária de um paciente complenos recursos de suporte a vida instalados, medicamentos de alto custo, energia elétrica e consumo de gases medicinais 24 horas, pagamento de recursos humanos, etc, poderia chutar um gasto de cerca de 5 a 8 mil reais por dia.
Os recursos para a saúde são sempre finitos. Existe portanto a necessidade sim de se racionalizar estes recursos, direcionando-os a quem de fato tem mínima possibilidade de sobreviver.
Uma criança atropelada, pode perder a vida por não ter um leito de UTI ocupado por um paciente terminal.
Este é um lado da questão REAL mas que por estratégia, não sei se certa ou errada, costumamos falar lá no final de nossa extensa lista de argumentos.
Pois tem o potencial de gerar contra-argumentações defensivas e mistificadas.
Mas eles estão aí para serem estudados e analisados pela sociedade, que agora tem, através do congresso nacional, a oportunidade de decidir.
Bjs

morenocris disse...

"Uma criança atropelada, pode perder a vida por não ter um leito de UTI ocupado por um paciente terminal".

Este é o gancho para uma matéria e para argumentação da luta!

Beijos.

*Vou levar estas informações para o blog. Parabéns, Barreto. Gosto muito de você!

Carlos Barretto  disse...

Obrigado, querida.
Seus questionamentos são extremamente pertinentes e com certeza vão para a ribalta do Flanar logo mais.
Gostaria mesmo que todos perguntassem mais e mais. Só assim, traremos a questão para a pauta diária e poderemos ampliar e provocar as pessoas, trazendo mais informação.
Também a cada dia, gosto muito de vc.
Depois deste debate então...