quarta-feira, 30 de abril de 2008

Seriedade, o remédio

Há dengue em Cingapura, capital de uma ilha de igual nome no sudeste asiático, considerada cidade-estado. Segundo informação consular, o PIB desse país com 693 km2 é de U$124 bilhões (2005), o que corresponderia a renda per capta de pouco mais que U$ 28 mil dólares. Vivem na ilha cerca de 4,5 milhões de cingapurianos.
Ao contrário da nossa outrora bossanovista Cidade Maravilhosa - com uma população em torno de 6 milhões de habitantes; com 68% do total de casos de dengue no Estado (por sí responsável por 36% da cauística nacional, ou 32 mil casos), a despeito de seu PIB ser classificado como o trigésimo maior entre as cidades mais ricas do mundo -, a cidade de Cingapura teve no primeiro trimestre deste ano 8.800 pessoas infectadas, dentre as quais 20 óbitos. O governo e a população de Cingapura, contudo, não descansam. Sabem dos riscos dessa estatística, ainda que abaixo da média de 14209 casos ocorridos em 2005.
A disparada de casos acendeu todos os alarmes vermelhos do pequeno país e o Straits Times, abriu manchete de primeira página: Singapore Braces Itself for Worst Dengue Epidemic, que adentra o primeiro caderno por mais de meia página. Na matéria ficamos sabendo que o esforço governamental reune cerca de vinte agências de saúde, consumindo cerca de U$ 140 mil doláres / dia. Essas agências, reunem-se mensalmente num gabinete de crise, que consolida informações e toma decisões estratégicas.
Tamanha seriedade do governo cingapuriano foi elogiada pela Organização Mundial da Saúde, em seu boletim de fevereiro, afirmando que Singapore has been a world leader in Aedes control for decades. Em entrevista a rede BBC, o professor Duane J. Gubler da Universidade do Havai é taxativo: Cingapura tem o mais efetivo - quiçá o único realmente efetivo - de controle da dengue. Comprovam essa constatação as estatísticas de saúde para doença, que registram a redução de 78,6% do total de casos entre 2005 e 2006, ou a queda de incidência, considerando dengue simples e hemorrágica, no mesmo período, de 326.5/100 mil habitantes para 69.7/100 mil habitantes. Respeitável desempenho de gestão em saúde.
Mas, afinal, qual é a receita desse sucesso de crítica e de público? Que panacéia os cingapurianos inventaram para espantar o Aedes aegypti em um país não menos tropical que o nosso?
Ao contrário do que alguns futurologistas poderiam pensar, os cientistas de Cingapura não provocaram modificações genéticas no genoma das suas carapanãs. Elas continuam como foram criados pela natureza, doidinhas da silva por sangue que as tornem férteis para garantia da sobrevivência da espécie.
Trata-se de seriedade no tratamento do maior bem de uma sociedade, que é seu capital humano. Vontade política de cumprir uma forte política de controle domiciliar e peri-domiciliar de Aedes e de trazer a população, por meio de medidas de educação em saúde, como aliada na destruição de criadouros para as larvas. Há também um forte investimento em condições de saneamento, que permita impedir fossas a céu aberto, cacimbas e drenagem de charcos.
No quesito de atenção aos casos suspeitos ou acometidos da doença, os orgãos de saúde de Cingapura tem investido na aquisição de kits de diagnóstico rápido e no subsídio de 50% do valor de cada exame. A confirmação diagnóstica leva até 5 dias e, mesmo assim, as autoridades consideram tempo muito longo, capaz de inviabilizar os esforços de isolamento de uma área suspeita.
Mas, não só. O braço da lei se movimenta e alcança a quem desafia as medidas de proteção comunitária. O governo de Cingapura dobrou de U$70 para U$140 dólares a multa para residências em que sejam encontrados focos do mosquito. Sendo que, para as construções civis a multa é de U$1400 para a primeira vez; que, se reincidentes, terão as obras paralizadas até que seja assinado termo de ajuste de conduta. Ano passado 6000 residências foram multadas e 44 obras suspensas.
Cingapura é generosa com sua boa prática de saúde pública e busca internacionaliza-la. Este mês, em correspondência com a Embaixada do Brasil, o governo cingapuriano colocou-se a disposição e ofereceu estágio de treinamento em saúde ambiental à técnicos brasileiros de vigilância epidemiológica e de combate ao Aedes aegypti e ao dengue. Vamos ver o que aqueles finórios, prefeitos de factóides, dirão antes de serem sovados nas urnas das próximas eleições de outubro; mas, principalmente, o que farão aqueles secretários de estado da saúde, parcimoniosos com a incompetência dos prefeitos em combater a dengue, e que, por isso, assinam igual sentença de incompetentes ao não supervisionarem e garantirem a cooperação técnica na solução de problemas que as municipalidades demonstrem dificuldade para enfrentar. Dinheiro do governo federal não espanta mosquito, nem faz ganhar eleição. É preciso trabalhar seriamente.


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