domingo, 4 de maio de 2008

Violência e a Igreja Católica

Há quase um mês atrás, a defensora pública Vera Ximenes Pontes foi brutalmente assassinada, dentro de sua casa.

Vera, segundo relatos que ouvi de parentes e amigos no velório, era quase paranóica com sua segurança. Atuando na lida diária com criminosos, sempre andava pelas ruas em constante estado de vigilância. Tinha especial cuidado com a entrada de sua residência, cujas portas e gradis mantinha permanentemente fechada.

Na época, as suspeitas imediatas da polícia eram de que o homicídio poderia ter sido praticado por alguém conhecido da defensora. Alguns aspectos da cena do crime - em especial, a inexistência de violação a fechaduras e a atitude sempre cautelosa da vítima - tornaram necessária a assunção desta hipótese.

O fato é que se tratou de mais um crime hediondo praticado em nossa cidade. Houve requintes de crueldade: Vera foi amordaçada, teve os pés amarrados e foi encontrada de bruços, com marcas de estrangulamento. Não foi dada qualquer chance de defesa à vítima. A advogada morava em uma área central de Belém, na Travessa 14 de Abril, em frente ao Hospital Ofir Loyola, no bairro de São Brás.

Dias antes, eu havia tomado conhecimento de outro crime praticado contra pessoas próximas a mim. A irmã de uma advogada de meu escritório e seu namorado foram seqüestrados, às 11 da noite de uma sexta-feira, na porta do restaurante La Traviata, no início da Doca de Souza Franco. Descaradamente, na frente de quantos estavam no estabelecimento àquela hora, o casal foi abordado ao estacionar o carro. Levados, padeceram momentos de terror até que os bandidos os deixassem na frente do Hospital Barros Barreto. Perderam tudo o que portavam no momento, inclusive as malas da menina, que iria viajar na madrugada do dia seguinte.

Além da crítica óbvia ao descalabro da segurança pública, cujo alvo fácil são as autoridades municipais, estaduais e federais, há um componente nestes e em outros muitos crimes, todos recentes – como é o caso da menina Isabella Nardoni – que ultrapassa o caráter burocrático e estatístico do fato: sob o ponto de vista humanístico, é cruel verificar que enquanto a humanidade evolui, sob a perspectiva teórica, na defesa e proteção das garantias individuais, dos direitos humanos e de tudo o que está inserido nestas rubricas (notadamente a tolerância, o respeito ao próximo e a indistinta proteção do direito à vida, sob todas as suas formas), a espécie humana não consegue perder seu componente mais irracional, cunhado na violência.

Se o pensamento evoluiu, o homem em seus atos, ao que parece, não. Certo é que a frase encerra um paradoxo, já que o pensamento deriva de ninguém menos que o próprio homem; mas é inegável que a condição diferencial entre o homem e o animal irracional – a possibilidade de formação de uma cultura, pela acumulação e transmissão de conhecimento de uma geração à outra – vem sendo mitigada pelas ações cada vez mais violentas que o ser humano, em um tempo de tamanho avanço tecnológico, adota contra seu igual, o planeta, o clima.

Tempos atrás, conversando com um amigo cuja prática católica vai além da mera presença em missas dominicais, ouvi dele uma crítica pontual e diferente à Igreja. Superando a crítica sempre lembrada (e até mesmo algo simplista) que reclama da lentidão do Catolicismo em acompanhar as mudanças do mundo, ele aludiu a uma espécie de ausência da Igreja dos movimentos anti-violência, a uma estranha omissão no cumprimento de sua missão primordial, que é de repercutir a lição principal de seu fundador, Jesus Cristo: o amais vos uns aos outros.

Disse-me este amigo que entendia que a Igreja teria esta obrigação de se aproximar dos governos e liderar um movimento, uma verdadeira cruzada humanista. Deveria fazê-lo sem burlar o Estado laico, evidentemente, e até por isso mesmo associando-se a outras instituições religiosas, outros credos, nesta função. Afinal, o ponto comum das religiões, supõe-se, é difundir o altruísmo; estender este aspecto à política seria, evidentemente, um ótimo negócio.

A solução para a segurança pública, além das óbvias (mas não adotadas) ações estatais, está na liderança da sociedade civil por parte dos movimentos religiosos? Não creio. Mas devo concordar que a Igreja Católica, mais popular instituição religiosa do país, está fazendo falta neste debate.

5 comentários:

Itajaí disse...

Usarei de um jargão de gestão para explicar meu pensamento sobre o assunto, com as escusas necessárias e justificadas pois não sou exatamente um católico, em que pese ter recebido o sacramento batismal.
Penso que a Igreja Católica tem buscado inserir a questão da violência na agenda do catolicismo nacional, mas tem tido inegável insucesso em tornar efetiva local e regionalmente essa agenda.
Por exemplo, quando avaliamos a linha do tempo das Campanhas da Fraternidade observamos claramente a preocupação da CNBB com respeito à questão da violência entre nós. De forma mais ou menos explícita, declarada ou por inferência, podemos identificar a claríssima preocupação com a violência em suas diferentes expressões sociais:
1983 - Tema: Fraternidade e Violência/ Lema: Fraternidade sim, violência não
1984 - Tema: Fraternidade e Vida/ Lema: Para que todos tenham Vida
1985 - Tema: Fraternidade e fome/ Lema: Pão para quem tem fome
1986 - Tema: Fraternidade e Terra/Lema:Terra de Deus, terra de irmãos
1987 - Tema: Fraternidade e o menor/ Lema: Quem acolhe o menor, a Mim acolhe
1990 - Tema: Fraternidade e a Mulher/ Lema: Mulher e homem a imagem de Deus
1996 - Tema:A Fraternidade e os Encarcerados/ Lema: Cristo liberta de todas as prisões.
2001 - Tema e lema: Vida sim, drogas não!
2008 - Tema: Fraternidade e defesa da vida/ Lema: Escolhe, pois a vida.
2009 - Tema: Fraternidade e Segurança Pública/ Lema: A paz é fruto da justiça.
Então o que falta em 25 anos de Campanha de Fraternidade, para que a mais antiga instituição religiosa do país, que se confunde com o próprio achamento dele, possa imprimir uma presença mais efetiva no combate a violência no país, considerando os marcos lógicos estabelecidos claramente nos concílios da CNBB?
Três hipóteses combinadas: o progressivo combate a partir dos anos 80, intra-institucional contra o grupo de religiosos adeptos da Teologia da Libertação (os padres-melancias, como pejorativamente os chamava o colunista Ibrahim Sued: verdes por fora, vermelhos por dentro), pregadores de um socialismo cristão à esquerda, num momento em que o Mundo experimentava as primeiras modificações do eixo do poder global, de que é símbolo o desmoronamento do bloco socialista europeu e soviético, a glasnost , a democratização da Polônia e a eleição de Carol Wojtila, o extraordninário Papa João Paulo II, para conduzir o realinhamento da Igreja Católica Romana e, last but not least, sua sucessão pelo Cardeal Ratzinguer, religioso claramente identificado com o pensamento mais ortodoxo do catolicismo romano.
Essas questões externas foram para o padroado nacional avassaladoras, se consideramos que estiveram associadas à progressiva e constante precariedade da formação religiosa dos religiosos católicos no país – quanti e qualitativamente -, assim como a um cenário político nacional de progressiva permissividade com a solução de nossos problemas sociais, fato claramente agravado pela onda neoliberal que chegou a nossas praias em um verão que não foi exatamente aquele do Gabeira.
A dicotomia horizontal e vertical entre pensadores estratégicos (Bispos) e pensadores operacionais (Cônegos,Padres,Freiras, Diáconos,etc) quando acirrada a esse ponto, em termos de planejamento estratégico, fazem o projeto se enfraquecer tremendamente no mundo real, tornando-se - com o perdão da palavra, na falta de outra - em caricatura de si próprio. Há, portanto, claramente indícios de que os pactos devem ser revistos, sob risco de perder-se o protagonismo que o rebanho exige de um pastor atencioso.

Anônimo disse...

Penso que o homem evolui para todos os lados, no seu pensamento e na sua irracionalidade. É o pacote.
Beto Carepa

Francisco Rocha Junior disse...

Oliver, sua contribuição ao debate foi muito lúcida, de argumentação brilhante. Merece destaque em um post, que tomarei a liberdade de preparar.

Francisco Rocha Junior disse...

Beto, a "evolução", obviamente, pressupõe idas e vindas. Mas como temos auto-determinação - ou livre-arbítrio, para usar uma expressão cara aos católicos -, podemos (e devemos, eu diria) mudar este quadro. Não consigo concordar com o determinismo.
Obrigado por sua visita e comentário. Seja sempre bem-vindo.

Itajaí disse...

Gratíssimo pela deferência, mas esse é um assunto que realmente merece um debate profundo, que contribua para a superação dessas dificuldades que apontei. Certamente, existirão outras.