sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Da canalhice humana

Do blog do CJK, edição de hoje:

Ameaças de renúncia e uma dura nota de repúdio da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos aprofundaram ontem a crise gerada no governo pelo parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) que considera perdoados pela Lei da Anistia os crimes de tortura cometidos na ditadura militar (1964-1985), segundo reportagem publicada pelo jornal "O Estado de S. Paulo".

Com o parecer, feito para contestar ação movida na Justiça paulista pelo Ministério Público em defesa da punição de violadores de direitos humanos, a União, segundo a comissão, “preferiu assumir postura que beneficia os torturadores”.

Um dos conselheiros, Augustino Veit, chegou a pensar em propor renúncia coletiva, mas foi dissuadido pelos colegas, para não enfraquecer a posição dos ministros Tarso Genro (Justiça) e Paulo Vannuchi (Direitos Humanos), que lideram a ala do governo favorável à punição de torturadores. Veit foi convencido a assinar a nota, aderindo à posição de aguardar o julgamento da ação.

A proposta de renúncia será colocada em pauta se Vannuchi, em protesto, deixar a Secretaria de Direitos Humanos, à qual o conselho está ligado. Por meio da assessoria, Vannuchi informou que mantém a sua posição contrária à AGU, voltando atrás da posição anterior, que estaria demissionário, preferindo aguardar o julgamento do STF, mesma posição de Tarso Genro.

Na nota, a comissão alega que a AGU sustentou uma interpretação da anistia polêmica e sem guarida em qualquer instrumento legal, quando estende o benefício a agentes do Estado que torturaram, procurando isentar "aqueles que foram chefes do mais famoso centro de torturas do País de devolver à União as indenizações pagas às famílias dos que ali foram mortos sob tortura”. A comissão se refere aos coronéis reformados do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel, acusados, em processo que corre na Justiça de São Paulo, de violações aos direitos humanos.

Procurada para se pronunciar sobre a nota, a AGU informou que sustenta a tese do perdão mútuo e tomará conhecimento dos termos da nota para se manifestar. Já os militares voltaram a rebater os críticos.

O general da reserva Osvaldo Pereira Gomes, que integrou a primeira comissão de desaparecidos e trabalhou na elaboração da Lei de Anistia, acusou os atuais membros de buscarem “holofotes” e usarem “velhas bandeiras”, em vez de buscar o aperfeiçoamento democrático. Ele criticou, ainda, o que intitulou de “indústria das indenizações” - “porque sugou milhões de reais do contribuinte” - e defendeu o fim dos pagamentos.

O general não deveria reclamar. Aqui no Brasil estamos discutindo o direito meramente à indenizações pecuniárias. Se estivéssemos na Argentina ou na Espanha muitos dos que ele defende seriam levados, merecidamente, ao cárcere. O nosso jeitinho deixou a todos os que torturaram e assassinaram sob a égide de defesa do Estado livres, leves e soltos. Alguns posam até de democratas e de amigos do presidente da República.

Alguns ainda acham que a discussão sobre o assunto é perseguição. Há canalhas da grande imprensa que defendem este ponto de vista.

10 comentários:

Yúdice Andrade disse...

As indenizações consumiram milhões de reais do contribuinte, foi? E quantos milhões de reais custam, ao mesmo contribuinte, todo ano, as aposentadorias privilegiadas a que os militares ainda têm direito? E as pensões para filhas solteiras até completarem 24 anos? 24 e não 18! Conheço gente que casou só no civil para continuar legalmente solteira e recebendo a pensão do papai. Lembremos, ainda, que por ocasião da reforma da previdência, o governo pretendia rediscutir os sistemas próprios de previdência do Congresso Nacional e dos militares. Curiosamente, a discussão nem começou e essa parte da emenda foi sumariamente eliminada. Mas isso não é prejuízo para os cofres públicos, não, certo?
Cara, juro por Deus que se tem uma raça que odeio é a dos sujeitos que defendem torturador, nem que seja em pensamento. É difícil até me conter e evitar os palavrões.
Sem maiores comentários. Só a indignação suprema.

Francisco Rocha Junior disse...

Comungo inteiramente da tua indignação, Yúdice.

Carlos Barretto  disse...

Imagino eu, que a imprensa reflita algo que a própria sociedade, pense, FRJ. Tanto numa quanto na outra, há quem encontre argumentos, os mais mirabolantes, para defender torturadores. Alguns chegando mesmo ao cúmulo de tentar reescrever a história, mesmo sem dela terem participado naqueles anos de chumbo.
Ou seja, opinam "só de orelhada". Não que, ter vivenciado aqueles tempos terríveis, onde nem a própria imprensa podia divulgar as atrocidades que ocorriam nos porões, seja condição inarredável para formular uma mera opinião de cunho humanístico. Mas para alguns, que adoram acreditar na imprensa, sem apor-lhe um filtrinho qualquer de caráter crítico, bem que seria interessante terem vivenciado a realidade da época. Nos economizariam esforços em relembrar-lhes o óbvio.
Lembro também, que muitos grandes órgãos de imprensa, que hoje se arvoram a fazer o papelote de paladinos da moralidade pública, calaram-se cândida e convenientemente diante das barbáries.
Vergonhosamente.
Deveríamos vez por outra, resgatar algumas páginas dos jornais da época, para atestar quem se calava de maneira subserviente à ditadura, e quem corajosamente à desafiava.

Abs

Anônimo disse...

Toda essa indignação vale para as ditaduras de esquerda também?
Que tal usar o mesmo critério com as ditaduras de hoje, em Cuba por exemplo?
Em breve teremos aqui Raul Castro recebido com honras de chefe de estado.

Anônimo disse...

Não me diga que você odeia os companheiros militares torturadores do pais irmão caçula (Cuba).

Francisco Rocha Junior disse...

Anônimos das 19:52 e 19:56, eu ia escrever uma resposta para vocês (ou para você, se for um só). Porém, quando cheguei aqui e moderei positivamente seus comentários, Yúdice já havia dito, no post "Comentando a canalhice humana" tudo o que queria dizer.
Para que fique claro, vou ressaltar o que julgo importante dizer: abomino ditaduras; sejam de esquerda, sejam de direita. A comparação que reduz o tema a saber se é melhor ser um canalha de esquerda ou de direita, desculpem-me o termo (o Yúdice não disse, mas eu digo), é imbecilizante e cretina.
Boa noite a ambos (ou ao mesmo).

Carlos Barretto  disse...

Viu só?
Acho que deveríamos implantar um texto padrão para responder estas perguntinhas sempre que por aqui aparecessem.
Aí seria só dar CTRL-C e CTRL V.
Pronto!

Anônimo disse...

Bom dia, meninos:

eu acrescentaria que a ditadura cubana - e não renego o nome, é ditadura - tem substanciais diferenças da que a antecedeu, a de Fulgêncio. A ditadura castrista gerou para todos o acesso a direitos inalienáveis do ser humano: moradia, educação, saúde. Faltou sim, a liberdade. Mas eu embatuco é aqui, no conceito libertário francês da palavra.

Vez em quando me pego pensando, eu que quero ser sempre uma democrata, de qual liberdade falo. A liberdade de escolher tomar vodka, enquanto outros não têm água potável. A liberdade de frequentar o teatro ou o cinema que bem entendo, quando outros não entendem sequer a palavra escrita, pois são analfabetos.

Uma vez vi impressa na camiseta de um amigo, a seguinte frase: "200 milhões de crianças dormem na rua. Nenhuma em Cuba."

E aí me pego pensando que as democracia são sim, imprescindíveis. Sempre. Mas que há ditaduras "relativas". Lá isso há.

Abração,

Francisco Rocha Junior disse...

Bia,

Se o pensamento é a coisa mais livre que há, como disse David Hume, nada é mais monstruoso que aprisionar e proibir o pensamento - e, evidentemente, sua manifestação.
Por isso, discordo de ti. Não existem ditaduras "relativas". Toda e qualquer benefício social concedido ao povo cubano é sumariamente metralhado no paredón, na "vigilância revolucionária" dos CDRs e no pensamento único do Gramma. De uma bela iniciativa, a revolução cubana virou ditadura. Estabeleceu uma elite a quem,unicamente, é concedido pensar, manifestar-se, decidir e, ironia das ironias, receber em CUCs, enquanto a maioria absoluta da população sobrevive à custa de anotações em cadernetas e recebe em desvalorizados pesos cubanos.
Abração.

Anônimo disse...

Caro Francisco,

aceito plenamente sua argumentação. E ao manifestar minhas dúvidas, não fui irônica. Não tenho conviccção da minha "certeza".

Mas sei que ainda que preze a democracia e ainda que não aceite a prisão dos que contradizem regimes, continuo temendo mais pela prisão da alma coletiva. Essa que praticamos diariamente nas democracias ao negar à criança a comida e o saber.

Há um texto do Eça de Queiroz onde ele critica a elite por matar a alma do povo, quando diz que negamos-lhe a educação. Essa imagem da morte da alma nunca mais me saiu da cabeça.

Um abraço.