quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

O direito de morrer velho

Qualquer pessoa, em sã consciência, deseja viver muito. Morrer velho é a aspiração certa de todos.

Para isso, é preciso ter saúde, alimentar-se direito, zelar por si mesmo e ter sorte, ao final das contas.

Uma grande parte da responsabilidade de se alcançar este fim, evidentemente, é nossa; mas desde que saímos das cavernas e adotamos formas gregárias de viver, criamos mecanismos de proteção que vão além da mera auto-defesa. O Estado, ou qualquer outra forma de organização humana, é o encarregado de prover a proteção da vida daqueles que vivem sob suas leis ou regras. É assim desde tempos imemoriais.

Em nosso rincão, porém, esta obrigação não vem sendo cumprida. Morreu mais um ontem, que não chegou nem perto da terceira idade. Com 30 e poucos anos, o advogado Marcelo Castelo Branco Iúdice foi mais uma vítima da violência que assola o Estado.

Marcelo não era meu amigo. Era o que se convenciona chamar de “conhecido”, alguém com quem não se tem intimidade, mas cujo rosto é familiar pelos contatos frequentes. Cumprimentava-o sempre no fórum, em reuniões de classe, em restaurantes, em encontros de advogados. Era ainda muito jovem, e de aparência jovial. É mais um a quem o Estado negou o direito de morrer velho.

Ontem ele, anteontem um médico renomado de 54 anos, um pouco antes um sociólogo e blogueiro de pouco mais de 40. Tantos outros já foram vítimas, em bairros centrais ou periféricos. Nada disso abala a sonolência dos órgãos de Segurança Pública. Se antes a sensação era de insegurança, nas infelizes palavras de um ex-governador, hoje ela é de completo abandono. Vivemos o verdadeiro faroeste caboclo, sem apelo a ninguém e sem consolo – afinal, a morte não tem meio-termo, como dizia o poeta Cacaso.

Enquanto isso, em boa parte da capital, o ódio e o desalento da população alimentam novos criminosos, criados na forma de justiceiros. Retornamos ao tempo da auto-defesa, sob o olhar placidamente bovino da Administração Pública.

Cuidado, meus amigos. Previnam-se de todas as formas possíveis. A Grande Ceifadora tem brandido sua foice próxima a nossas cabeças, todos os dias, em todos os cantos. Estamos comprovadamente sós.

Só não podemos fomentar a sede de vingança privada. Somos humanos e, portanto, maiores que este conceito irracional. O Estado é quem deve cumprir sua parte. Cabe a nós chamá-lo à razão.

Lamento, por fim, iniciar o ano produzindo uma postagem destas. É mais um direito que o Estado nos nega: o da alegria.

18 comentários:

Carlos Barretto  disse...

Uma lástima absoluta.
Uma tragédia entre tantas que ainda virão. Estamos definitivamente na Faixa de Gaza.

Val-André Mutran  disse...

Gaza
Uma pena
Dor
Lágrimas
Belém da Vergona.

Anônimo disse...

Estamos sós... é isso!

Anônimo disse...

Caros amigos do blog - principalmente o Yudice, que conheço da UFPA - parafraseando um ditado dos anos de chumbo, "Belém, aem-a e deixe-a"...Foi o que fiz, reconhecidamente, em função de minha condição de juiz da esfera federal, o que me permitiu pleitear e conseguir remoção para Sanata Catarina. Hoje eu e minah família moramos no interior, em Criciúma, uma cidade de 200 mil habitantes, que possui os seus defeitos, porém ainda permite aos cidadãos viver, e não somente sobreviver, como era Belém há 20 anos...que saudades dessa época..."Belém, Belém, eu te quero -(tão) bem"...mas prefiro ver-te à distância, para minha segurança e dos meus...até quando a população aceitará como normal o que hoje ocorre?

Anônimo disse...

CARA, BELO POST,REALMENTE ESSA TERRA SEM LEI. PRECISA DE UM FREIO URGENTE. ALGUMA COISA COMO PATAM, ROTA E QUE TAIS. CHEGA DE OLHARMOS ESSA VIOLÊNCIAO ABSURDA PARALIZADOS E PATETICOS, VAMOS AS MANIFESTAÇÇÕES NAS RUAS , NAS PRAÇAS , NO TRANALHO , EM CASA ,NA NET SEJA ONDE FOR, CHEGAMOS AO FUNDO DO POÇO E ESSE POÇO PARECE NÃO ETER FIM E FEITO DE LAMA E VERGONHA NOS AFUNDANDO CADA DIA MAIS. VAMOS ENFRENTAR A TURBA DE FORMA ORDEIRA, MAIS, ORGANIZADA. TIRARAM NOSSO TRANQUILIDADE, NOSSO SOSSEGO E FUTURAMENTE PODERÃO TIRRA NOSSOS ENTES QUERIDOS. TALVEZ SEJA TARDE PARA ESTA GERAÇÃO E AOUTRA, PORÉM,COMECEMOS AGORA A CLAREAR O FUTURO DAS PROXIMAS. INVESTIMENTO EM SEGURANÇA EM EDUCAÇÃO E EM GERAÇÃO DE EMPREGO E O CAMINHO , SEM FALAR NA FAMÍLIA ESSA ENTIDADE TÃO CARA E QUE HOJA VALE TÃO POUCO A MAIORIA DAS PESSOAS , HOJESER EDUCADO VIROU PATETICE, SER HONESTO VIROU BURRICE, SER RESPEITADOR VIROU PIEGUIÇE. O BARATO E SER MALANDRO, COMER TODAS, TOMAR TODAS, IR PARA BALADA , OUVIR MUSICA ALTA É DISSO QUE A MULHERADA GOSTA , O RESULTADO É UMA SOCIEDADE EGOISTA EFETIDA ONDE VALE MAIS O SALVE-SE QUEM PUDER. CADE A CONVERSA A PORTA DE CASA, A CAMINHADA NOTURNA , A BRINCADEIRA DE RODA, FICOU PARA TRÁS , HOJE ESTAMOS PRESOS A NET , A TELEVISÃO E OS SEUS BROTHERS , A UM MEDO AVASALADRO QUE LEVA A SOLIDÃPO E AO DESAMPARO. CHEGUEI EM CASA DO TRABALHO, NADA ME ACONTECEU , ESTOU VIVO, NÃO FUI ROUBADO, ASSASSINADO OU ESTORQUIDO . SERÁ QUE VALE A PENA VIVER ASSIM.

Anônimo disse...

Precisamos nos unir cada vez mais, para tentar reverter esta situação inaceitável. Cobrar das autoridades medidas urgentes e enérgicas.

Anônimo disse...

... e nenhum de nós sabe exatamente onde vai parar nesta estrada infinita, diria o Humberto.

Val-André Mutran  disse...

Só e mal dirigidos...é tudo!

Francisco Rocha Junior disse...

Barreto e Val-André, vocês foram na mosca: esta não será a última das tragédias, infelizmente, para nossa mais absoluta vergonha de morar em Belém.

Francisco Rocha Junior disse...

Lafa, ainda bem que nos restam os poetas, eruditos ou populares, para acalmar a dor e seguir em frente. Ai de nós, abandonados. É como me sinto.

Francisco Rocha Junior disse...

Elton,
Nunca pensei a sério em morar fora daqui, depois que constitui minha vida em Belém. Continuo não pensando. Mas a continuar como está, a violência em Belém é um convite para sair desta terra e só voltar nos Círios.
O problema é sair e deixar quem você gosta aqui - seus pais, seus irmãos, seus sobrinhos, seus amigos -, à mercê da inoperância do Poder Público. Dá medo. Ainda vale você poder viver (e conviver) com os seus até o último momento - venha ele hoje, amanhã ou daqui a 50 anos.
A população realmente precisa acordar. Urgentemente.
Obrigado por sua visita e comentário. Volte sempre.

Anônimo disse...

É Francisco, ainda nos restam os poetas...

...será que estamos entrando numa espécie de depressão coletiva?

Existe prozac tamanho-família pra curá-la?

Francisco Rocha Junior disse...

Das 17:53hs,
Faço minhas as suas palavras: "hoje ser educado virou patetice, ser honesto virou burrice, ser respeitador virou pieguice. O barato é ser malandro, comer todas, tomar todas, ir para balada, ouvir música alta, é disso que a mulherada gosta, o resultado é uma sociedade egoísta e fétida onde vale mais o salve-se quem puder".
Infelizmente, além da crise de segurança pública, vivemos uma crise de humanismo. Será que só Deus poderá nos salvar? E se Ele resolver fazer como na história bíblica de Sodoma e Gomorra?
A sociedade precisa reagir. Cobrar incessantemente uma solução para o atual descalabro que, veja só, faz sentir saudades de outras administrações desastrosas.
Obrigado pela leitura e comentário. Venha sempre.

Francisco Rocha Junior disse...

Das 18:18hs, vamos cobrar. Mas destas autoridades que aí estão? Será que resolve?

Francisco Rocha Junior disse...

Lafa, é bem possível que estejamos depressivos, sim. A sociedade paraense está doente. Alguns têm medo; outros, ódio; outros mais, sentem-se confiantes e poderosos, sem ter o que temer.
Eu não era sequer amigo do Marcelo, como disse no post. Era um mero conhecido. Mas ele era um rosto familiar, que eu não mais verei; o crime, ademais, aconteceu a poucas quadras da minha casa; tudo isto me deixou com medo, triste e frustrado.
Se encontraes este "Prozacão", avisa. Quero uma caixa.
Abraços, amigo.

Scylla Lage Neto disse...

Não cabe depressão na guerra civil. Para continuarmos vivos temos que lutar com as nossas armas, em nossas profissões, formando opiniões.
Bater em retirada me parece prematuro.
Só nos resta viver. Aqui, onde temos e/ou criamos raízes. Com poesia e garra, música e raiva, determinação e uma certa dose de pesar.
Belo post, Francisco.
Um abraço.

Yúdice Andrade disse...

Caro Elton, muito bom reencontrar as pessoas, ainda que virtualmente. A Internet é maravilhosa por isso. Fico ainda mais feliz de saber que excelentes rumos tua vida tomou.
Santa Catarina é a menina dos meus olhos. Floripa é uma cidade onde me sinto em casa. Juro. Não conheci Criciúma, mas passeei por alguns Municípios catarinenses. Conheço suas virtudes e sei que estás podendo dar a tua família uma boa vida.
A despeito disso tudo, não pretendo deixar Belém. Não é esperança, amor nem comodismo. É que minha vida está construída aqui. Além de gostar daqui, claro, e ser ligado a minhas raízes. Por isso protestamos e queremos mudanças. Porque paz é um artigo essencial para as nossas vidas e todos precisamos seguir adiante.
Abraços.

Francisco Rocha Junior disse...

Scylla,
Tens completa razão. Só evidenciei um sentimento que me assolou ontem, depois de mais esta notícia triste.
Mas a vida segue, e queremos que ela seja bonita.
Abraços e obrigado pelo elogio.