Dias atrás, o jornal O Liberal publicou uma reportagem sobre suposta "farra de diárias" reinante na Defensoria Pública. Atento ao assunto, o amigo Antonio Carlos Monteiro, defensor público de escol, enviou-me um artigo do também defensor Marcus Vinícius Franco, diretor administrativo e financeiro da Defensoria Pública paraense, a respeito do tema. O texto é longo, mas vale a pena lê-lo:
Leitor assíduo do jornal O Liberal, fiquei surpreso ao ler uma de suas matérias de capa, tratando da Defensoria Pública do Estado do Pará. O título já fazia menção ao que seria tratado: pagamento de diárias a servidores públicos.
Fiquei de pronto tenso, pois o tema sempre é polêmico - afinal, as diárias são vistas como uma verdadeira benesse aos servidores, pois não raro se transmite a idéia que os servidores públicos recebem as diárias para passear em outras cidades.
A bem da verdade, as diárias são pagas por um permissivo legal (a lei permite esse pagamento), e serve para custear as despesas extras que qualquer servidor, que viaja a trabalho, tem no deslocamento e na estada.
Reza o parágrafo primeiro do artigo primeiro do Decreto 734/1992 que os valores das diárias serão pagos, antecipadamente, a título de indenização, pelas despesas com hospedagem, alimentação e deslocamento no local de destino, quando o servidor for em viagem a serviço, formalmente autorizado, ou em missão oficial representando o Governo do Estado do Pará.
Assim, não é uma atitude exclusiva da Defensoria Pública pagar diárias. É um direito do servidor recebê-las quando viaja a trabalho. Seria bom que os servidores chegassem para a administração e dissessem: ?Olha, eu quero viajar por dez dias para Altamira, Faro, Santarém sem receber nada. Nem a passagem eu quero. Não quero receber nada pela hospedagem, pela alimentação, tirarei tudo do meu bolso?.
Mas isso não acontece e o Estado precisa pagar por esses dias trabalhados. Todos somos brasileiros e estamos sob os cuidados do Estado. Nada mais lógico que o Estado se fazer presente em toda a área territorial do Pará. Estado que eu falo é o poder constituído como um todo: é a Defensoria, é o Poder Judiciário, é o Ministério Público, a Polícia Militar, é a Polícia Civil.
Todos da Defensoria Pública somos Estado e a população quer esse Estado presente onde vive, pois paga muitos impostos diretos e indiretos para isso.
Quando nós da Defensoria Pública possuirmos pessoal suficiente para podermos nos fazer presente em caráter definitivo em todo o estado (território), com certeza assim o faremos.
Porém, enquanto isso não acontece, nos utilizamos da itinerância, convocando servidores e Defensores para se deslocarem aos mais longínquos locais levando a assistência jurídica integral e gratuita de qualidade à população carente, que reside distante dos grandes centros urbanos.
Nessas viagens, muitas vezes participam os servidores, como apoio técnico, e os Defensores Públicos, membros da Defensoria Pública, que prestam a assistência jurídica.
Apenas a título de ilustração, quando segue uma comitiva da Defensoria Pública a um presídio (seja localizado em um interior mais distante da capital, seja localizado em Marituba), para dar assistência jurídica aos presos, dela participam psicólogos, pedagogos, assistentes sociais, motoristas e os Defensores Públicos.
Logo, percebe-se que as diárias pagas não são pagas apenas a Defensores Públicos, mas sim, a todos que participam da comitiva, inclusive ao pessoal do corpo técnico - ressalte-se, inclusive, que as diárias possuem um mesmo valor para todos.
A mesma situação se repete nas viagens do Programa Balcão de Direitos, quando comitivas inteiras da Defensoria Pública, em parceria com o Tribunal de Justiça, Ministério Público, Marinha do Brasil, Sejudh e Policia Civil, deslocam-se aos locais mais distantes e de difícil acesso do estado para prestar assistência jurídica aos legalmente necessitados. Essas viagens do Balcão às vezes demoram quinze, vinte dias, dentro de barcos ou de ônibus, quando os Defensores e servidores precisam vencer as mais diversas barreiras geográficas, percorrendo milhares de quilômetros de rios ou de florestas até chegarem ao destino programado - vale destacar que não existe obstáculo capaz de impedir que as comitivas do Balcão de Direitos cumpram sua importante função social.
Nesses casos sempre ocorre o pagamento de diárias. Diárias justas, pagas para amenizar as despesas tidas com o deslocamento, mas que jamais compensam os dias de afastamento do conforto do lar e da família. Precisamos lembrar que as diárias inteiras - hoje no valor de R$-135,00 (cento e trinta e cinco reais) ou de R$-95,00 (noventa e cinco reais) - muitas vezes não cobrem as despesas de hospedagem e alimentação dos viajantes. E muitas vezes são pagas apenas meias diárias...
Assim, criticar os Defensores, membros da Defensoria Pública, que levam a assistência jurídica, e os servidores, que formam o quadro de apoio técnico, que se dispõem a viajar aos locais mais longínquos, levando os serviços da Defensoria Pública aos legalmente necessitados, é querer transformar em vilões aqueles que, a bem da verdade, são verdadeiros heróis, pois muitas vezes os valores recebidos por aqueles que se afastam de seus lares e de suas famílias a serviço do Estado não cobrem as despesas ocorridas nas viagens ? além disso, não existe moeda para se calcular o ganho social, a cidadania que se constrói ou se fortalece a cada viagem do Balcão de Direitos, daqueles que formam o Núcleo de Execução Penal (que presta assistência jurídica aos presos), etc.
Da mesma forma, com relação às diárias pagas aos que se deslocam para a Região Metropolitana, isso também está legalmente previsto. E os servidores e Defensores que realizam essas viagens a serviço acabam por ter direito ao recebimento das diárias ou meias-diárias, conforme o caso, tal qual prevê o Decreto 734/1992 e a própria Orientação Normativa 001/2008 AGE.
Para aqueles que querem o fim do pagamento das diárias resta uma solução: lutar pelo aumento do orçamento da Defensoria Pública, para que possamos nomear mais e mais Defensores Públicos e, assim, ter sempre disponível, atuando em todo o estado do Pará, um Defensor de carreira, tal qual manda a Constituição Federal, para levar a assistência jurídica gratuita e de qualidade a todos aqueles que precisam, estejam onde estiverem.
De forma alternativa, podemos pensar, inclusive, em uma gratificação para todos aqueles que atuem em dois ou mais municípios concomitantemente. Assim, o Defensor receberia a referida gratificação mensalmente, e não mais diárias, a cada deslocamento realizado.
Essas soluções podem e devem ser cobradas de cada assistido, de cada cidadão que torce pelo sucesso e fortalecimento da Defensoria Pública aos parlamentares municipais, estaduais e federais. Que exijam Defensores e que cobrem dos parlamentares mais orçamento para a Defensoria Pública. Que cobrem a realização de mais concursos para ter mais Defensores e mais pessoal do quadro técnico.
Para concluir:
Talvez a intenção de quem divulgou tais informações ao jornal O Liberal tenha sido proteger a Defensoria Pública. Porém, não é divulgando informações imprecisas em jornais de grande circulação que conseguirão proteger ou fortalecer a Instituição ? notas como essas apenas nos oferecem a oportunidade de esclarecer a toda a sociedade o que aos olhos de alguns parece errado - e isso elas têm, realmente, de benéfico.
Por outro lado esse tipo de notícia também pode ser bastante maléfico, pois notícias assim têm o poder de desacreditar quem as transmitiu ao jornal; quem repassou, em tão poucas palavras, tantas informações erradas, incompletas e deturpadas a um jornal que o povo paraense tanto respeita e acredita há muito tempo justamente pela qualidade das notícias que publica.
De qualquer forma, enquanto não chegam os novos concursados e o orçamento da Defensoria Pública não é elevado substancialmente, os Defensores Públicos e os servidores do quadro de apoio continuarão a ser heróis, fazendo júris, levando cidadania aos locais mais longínquos, cumulando duas, três cidades, viajando por estradas de terra, atravessando pontes perigosas, enfrentando sol, poeira, lama e chuva.
Caso seja de interesse do jornal O Liberal conhecer mais de perto a atuação da Defensoria Pública, tenho certeza que a DPPA poderá disponibilizar uma vaga na próxima viagem do Programa Balcão de Direitos, ou a qualquer outra viagem que tenha por objetivo levar cidadania ao povo carente do estado do Pará, inclusive as viagens do Núcleo de Execução Penal, que presta assistência jurídica aos diversos presídios paraenses.
Parabéns à sociedade paraense que está vendo florescer e se fortalecer uma Defensoria Pública forte, séria e comprometida com a cidadania. Parabéns a todos nós!
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