sábado, 6 de março de 2010

O Claro Mistério de A Fita Branca

Assisti o filme A Fita Branca, candidato ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, dirigido pelo austríaco Michael Hanecke. Foi filmado preto e branco, com fotografia que transporta o espectador à atmosfera algo sombria e claustrofóbica das residências do início do século passado, quando os ambientes eram iluminados por velas, candeeiros e lâmpadas mortiças. De alguma forma o filme, nesse aspecto, lembrou-me a infância passada em Belém num casarão estilo português, mobiliado com móveis maciços que hoje fazem a alegria dos antiquários. Naquela época não tínhamos a exuberância tecnológica das lâmpadas modernas de hoje e a cidade confirmava o ditado que se de dia faltava àgua, à noite pedíamos luz.
A Fita Branca
pretende discutir a gênese do mal e sua transcendência cultural e histórica. Ambienta-se numa pequena cidade da Alemanha às véspereas da Primeira Guerra Mundial e é narrado por um dos seus personagens em tempo já distante dos acontecimentos. O mistério é articulado do jeito whodunit (quem fez?), relacionado a uma série de atos de violência, tortura e assassinato de adultos e crianças que de modo algum são menos brutais que outras práticas da pequena cidade, onde as instituições e ninguém parecem ser exatamente o que são quando se deslocam entre os espaços privado, público e institucional, mesmo que à luz de enganosa respeitabilidade.
A idéia em si não é original, posto que foi antes desenvolvida em filmes como O Jovem Törless (dir. Volker Schlöndorff, 1966) e, claro, o Ovo da Serpente (dir. Ingmar Bergman, 1977) e o monumental Berlim Alexanderplatz (dir. Werner Fassbinder, 1980). Em termos norte-americanos quem a explorou, por exemplo, foi David Lynch em Twin Peaks (1980). O fato, sem diminuir o valor de A Fita Branca, antes o torna obra digna da companhia desses clássicos. Afinal são poucos os dramas humanos originais, ainda que infindáveis sejam suas combinações e variáveis para transcendê-los em constante atualidade. Aliás, alguém escreveu, a vida é bela, brutal e breve.

6 comentários:

Carlos Barretto  disse...

Delicioso post, Itajaí
Thanks

Francisco Rocha Junior disse...

Caro,

Vi em dias seguidos, no Carnaval, A Fita Branca e Guerra ao Terror. Ainda que aparentemente não haja nexo entre um e outro filme, salvo a temática bélica - sendo que no primeiro ela ainda não começou e, no outro, ela está em curso -, um aspecto dos filmes me fez pensar: o que representa para um país a experiência da guerra? O que é, para um povo, sofrer com parentes, amigos, vizinhos que viveram o horror?

Esta pergunta martelou minha cabeça durante dias. Fiquei imaginando o que seria do Brasil se a vivência da guerra fosse efetiva no país; se até hoje tivéssemos parentes que tivessem vivido bombardeios, a experiência das trincheiras, o dia-a-dia dos tiroteios. Falarão da vida nos morros cariocas, mas será isto a mesma coisa? Na guerra, falamos de uma geração que viveu uma experiência única, o assombro de um país inteiro. A Europa passou pela experiência da guerra em seu próprio território; impressiona ver, em qualquer cidadezinha do interior da França, da Itália ou da Alemanha, principalmente, um monumento em homenagem aos mortos na II Guerra. É muito presente, ainda, esta realidade. Imagine=se a mistura que decorre da proximidade territorial entre pessoas cujos parentes, até 70 anos atrás - o que é muito pouco -, estavam matando uns aos outros.
Os Estados Unidos, por sua vez, vivem a experiência da guerra de 15 em 15 anos; no século XX, o mais sangrento da saga humana sobre a Terra, vivenciou uma guerra a cada 15 anos, pelo menos, e em todas houve tropas (e consequentemente baixas) americanas: 1a Guerra, 2a Guerra, Vietnam, Bálcãs, Iraque, Afeganistão... O que isto traz de consequência para a sociedade que a vive de perto?

Engraçado que passei semanas formulando esta ideia, com a intenção de tranformá-la em um post, motivado pelos dois filmes, mas não os conclui; havia rios de dúvidas e considerações na minha cabeça. Daí tu vens, com uma grande lucidez, e fomentas a discussão. Excelente, o post. Minha cabeça fica ainda mais confusa...

Francisco Rocha Junior disse...

Val-André, minha postagem, superada pela do Itajaí, começava com um repto pra ti: eu dizia que discordava veementemente das tuas considerações sobre os filmes oscarizados deste ano. Os concorrentes, na minha opinião, iniciam a década muito bem.

Noto ainda que Avatar, apesar da história bobinha, tem a maravilha tecnológica do 3D a seu favor. É a Matrix dos anos 2010. Oxalá venham muitos outros do estilo.

Finalmente, se Avatar for muito intragável pro teu gosto, esquece-o. Tenho certeza que se assistires à Fita Branca e a Guerra ao Terror - bastam esses - vais mudar de ideia sobre a qualidade deste Oscar.

Abraços.

Val-André Mutran  disse...

Francisco confesso que não assisti os dois filmes em questão. Adianto, no entanto, que sou fã de filmes de guerra e dos absurdos humanos transformados, não raro em lições de tolerância e cooperação entre os povos, após o estresse de tanto sofrimento e perdas.
Sobre Avatar, sustento minha opinião. O roteiro é um absurdo e a qualidade técnica é outro tema.
Estou escrevendo uma crítica sobre Avatar para posterior publicação.
Os demais filmes que assisti não gostei.

Raul Reis  disse...

Estou muito curioso para ver "A Fita Branca", que está passando aqui há varios meses. Aliás os filmes do Michael Haneke são fantasticos, e espero que ele fature o Oscar hoje a noite.

Outro filme dele maravilhoso é "Cache", com Daniel Auteuil e Juliette Binoche. Pelo que ouvi falar, "A Fita Branca" segue um pouco linha iniciada por "Cache", de questionar o impacto humano das guerras, seja este impacto causador ou decorrência das mesmas.

No caso de "Cache", o foco é no impacto humano do colonialismo francês e da guerra da Argelia.

Itajaí disse...

Oi, Raul!
Desculpe a demora. Espero que passe por aqui o Cache. Nesse caso, nem adianta buscar na internete, pois meu francçês é menos que básico.
Mas o tema é interessante. Acho que o último que assisti sobre o assunto foi aquele do Pontecorvo, a Batalha de Argel. Aliás, um clássico do cinema político italiano.
Quanto ao Fita Branca apenas concorreu.
Abs.