Quem me conhece sabe da resistência que sempre tive para me convencer sobre a exatidão da figura do coronel Hugo Chávez, ainda que eu reconheça o esforço legítimo que ele faz para reverter a tremenda exclusão social que existe na Venezuela, e mais especialmente em Caracas.
Esta semana, contudo, perdi o respeito em definitivo por sua figura pública. Pressionado às vésperas de eleição por indicadores econômicos preocupantes, Chávez decidiu desenterrar a caveira de Simón Bolivar, herói das lutas de independência das antigas colônias espanholas na América Latina.
A razão da exumação? Um discutível interesse científico de esclarecer a razão da morte de Bolívar, que teria sido envenenado por um inimigo político. O discurso em cadeia nacional de Chávez, que confirma sua vocação para patriotadas, está aí no vídeo do You Tube.
4 comentários:
Meu caro Itajaí,
Nosso respeito pela autodeterminação dos povos não inclui compromisso de alinhamento com certas práticas dos respectivos chefes.
É o caso.
Anos atrás eu e Araceli fomos a Caracas e de lá para Havana, na companhia de dois então deputados estaduais (Colares e Hélio Leite).
Acompanhei-os e fui prestigiar a abertura de um congresso internacional de parlamentares.
A solenidade atrasou porque Chavez atrasou. Muito. Enquanto isso acontecia a orquestra de jovens latinoamericanos entretia (amenizava, como se diz em espanhol) a platéia até o limite da exasperação. Quando os parlamentares começaram a se manifestar ruidosamente a Presidente do congresso - chavista - começou a solenidade sem ele.
Mas deixou de sobreaviso a orquestra e todo o aparato de cerimonial.
Quando Chavez finalmente chegou ela interrompeu o congresso - que já havia avançado alguns bons passos - e a fala de um orador. A orquestra atacou de Cavaleria Rusticana para uma entrada triunfal de Chavez e seu aparato de segurança e puxassacos. Um deputado mexicano do meu lado - do PRI de Cuernavaca, muito simpático - quase morreu de rir.
Foi nesse evento que Chávez lançou a ALBA, uma alternativa a ALCA.
Na mesa, ele conversava animadamente com a nossa então deputada Maninha, que depois nos contou outra presepada dele, mas essa é impublicável. Mas dá para dizer que insultara Bush e a ALCA mandando-os AL CA....
Reconheço também os bons esforços que ele faz com os petrodólares, não tão bem sucedidos assim (Caracas sob Chavez se tornou uma imensa Belém, com maior concentração de camelôs por metro quadrado).
Cuba tem boas razões para apoiar Chavez, pois hoje ela depende do petróleo da Venezuela - vendido a preços subsidiados - e da renda dos profissionais de saúde e educação (milhares).
Mas nem esses gestos que ele faz em relação aos vizinhos caribenhos mais pobres me anima a aceitar essas práticas populistas e caudilhescas dele.
Imagine que ele retirou de um museu a espada de Bolívar e agora anda com ela para cima e para baixo, desembainhando-a e embainhando-a com ridícula solenidade e total falta de respeito para com o patrimônio histórico. A exumação dos restos de Bolívar é mais uma presepada. Se fosse com interesse apenas científico, nada a opor (os peruanos periciaram os restos de Pizarro com técnicas modernas). Mas como você argutamente percebeu o interesse científico é aparente e foi manipulado para fins eleitorais. Um factóide que desrespeita a ciência e o Libertador.
Mas, a bem da verdade, esse gosto pela pompa, ainda que ridícula, também era cultivado pelo Libertador, que gostava de entradas triunfais e pompas militares.
Enfim, dou-lhe inteira razão e acrescento um ponto no seu conto.
Que o Chávez enlouqueceu eu já havia percebido há muito tempo. Foi na ocasião em que ele mudou o fuso horário da Venezuela e disse que isso era para que os trabalhadores venezuelanos pudessem chegar "a tempo para seu encontro diário com o sol"...
Todo poder absoluto enlouquece o governante. A história é cheia de exemplos: Hitler, Stalin, os loucos do Talibã. Agora é o Chávez. Até mesmo o poder exercido dentro de um regime democrático e com controles precisa ser exercido em grupo, o sujeito que opta por exercê-lo sozinho tem graves problemas psicológicos com isso - vide Collor e Bush, por exemplo.
Essa do esqueleto do Bolívar foi coisa de filme do Zé do Caixão, mas obviamente sem o contexto de uma estória do controverso José Mojica...
Estimado Alencar,
Concordo com tuas palavras e ambos sabemos que todo esse histrionismo termina por constituir uma questão delicada para as esquerdas.
Penso, sobretudo, que é necessário assinalarmos a esses líderes políticos da atualidade que um outro mundo somente será possível, quando a prática política superar não só o modo capitalista de produção, mas sobretudo o fazer político quando frente aos obstáculos relacionados ao desafio de refazer a realidade social.
Fazer essa travessia, sabemos, não é tão fácil quanto aparenta, mas não se pode menosprezá-la em nome de um pragmatismo arriscado e inconsequente.
Abs.
Prof. Alan,
Zé do Caixão é coerente com sua biografia: herói de guerra, ex-pracinha, enlouquece ao ver que a noiva amada entregava-se a outro, enquanto ele sofria o desespero de sobriver nas trincheiras geladas da Itália.
O desfecho ao modo de tragédia grega, que José Mojica intuiu, é irretocável: Desesperado Zé do Caixão mata a noiva infiel e o amante e mergulha de vez no inferno a que sempre esteve sem o saber aprisionado, tornando-se o mais sadico dos assassinos seriais numa época em que Hollywood sequer atentava para o filão, nem se escreviam bestsellers duvidosos sobre o assunto.
Diz-nos alguma coisa a loucura? Muito. Ao menos que o poder é afrodisiáco e, enquanto tal, alienante.
Ab.
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