Como é comum de ocorrer, o tempo maior se impõe àquele que estabelecemos com nossos botões. Foi o caso ocorrido nesses dois últimos dias, de eu ficar pensando em escrever um post sobre Ferreira Gullar, para meu gosto o maior poeta brasileiro vivo. Sim, o maior, que me perdoem aqueles com afetos em contrário à opinião deste amoroso leitor de poesia, por si destituída de qualquer pretensão de crítica, ainda que reconheça o nome e o adjetivo em permanente escassear nos últimos trinta anos do Brasil.
Importa mais que tudo dizer que o desencontro de tempos a que aludi antes, estão confirmados. Se para algo o valha, a incongruência surpreendeu-me alguns minutos atrás no acesso à página eletrônica do jornal O Globo, quando dei com uma excelente entrevista do poeta maranhense, que hoje em termos de posição política transmite uma revolta que parece-me filtrada por indizível mágoa.
Mas, o que tenha concorrido para o amargor desse comunista desimporta frente a algo literariamente maior, que o notabiliza para a imortalidade nas letras e artes ou no outrora dito panteón das musas. Ali bastava para elevá-lo, não o engajado "A Bomba Suja", em que demonstra valor na luta contra a violência capitalista, mas apenas o lirismo suscinto e biográfico da letra do "Trenzinho Caipira" de Vila Lobos, entre as mais belas páginas de poesia brasileira inscrita em nossa música clássica contemporânea.
Junto com a entrevista e o desejo de um bom domingo que nos aproxime de ótima semana, deixo-lhes aqui "Descobrimento" - dentre os poemas de Ferreira Gullar um dos meus preferidos:
Abancado à escrivaninha em São Paulo
Na minha casa da rua Lopes Chaves
De supetão senti um friúme por dentro.
Fiquei trêmulo, muito comovido
Com o livro palerma olhando pra mim.
Não vê que me lembrei que lá no Norte, meu Deus!
Muito longe de mim
Na escuridão ativa da noite que caiu
Um homem pálido magro de cabelo escorrendo nos olhos,
Depois de fazer uma pele com a borracha do dia,
Faz pouco se deitou, está dormindo.
Esse homem é brasileiro que nem eu.
P.S- Na entrevista, Gullar faz referência ao poeta que disse que "o eu é outro". De Rimbaud de fato há algum registro na poesia do autor de "Poema Sujo". Contudo sigo acreditando naquilo que escrevi e Olga Savary como quis decidiu publicar (Poesia do Grão Pará. Ed. Graphia, 2001): a rigor, em poesia conjugam-se várias vozes. Não poucas vezes desesperadas vozes.
2 comentários:
Eu tive a oportunidade de jantar com o Ferreira Gullar numa das Feiras do Livra em que ele esteve presente. Autografou minha antologia de poemas e foi uma companhia agradabilíssima. Jantamos no finado restaurante La em Casa, o da São Jerônimo, e foi uma noite do melhor papo e da melhor inteligência que já tive.
Invejo-lhe a oportunidade, Tanto.
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