Atribui-se a Winston Churchill a afirmação de que a democracia não é um bom sistema, porém que ainda não inventaram nada melhor. Assim sendo, precisamos conviver com mazelas e distorções que, se todos fossem bem intencionados, não seriam toleradas com tanta leniência.
Veja-se, por exemplo, o que acontece com o modelo de democracia participativa. Só se pode falar em um modelo realmente democrático se toda e qualquer pessoa puder se candidatar a qualquer cargo eletivo, inclusive o de presidente da República1. Repeti isso muitas vezes antes de Lula se eleger presidente. Enquanto boa parte das pessoas ao meu redor bostejava o estúpido argumento de que ele não era formado (uns, pretendendo-se mais cultos, acresciam que ele podia estudar e não o fazia por preguiça), eu tentava convencê-los de que seria fatal para uma nação, qualquer nação, que somente os egressos do funil universitário pudessem ocupar cargos que são essencialmente políticos, não técnicos. Nessa hora, eu lembrava que a eleição do sindicalista Lech Walesa à presidência da Polônia, em 1990, foi celebrado como um marco histórico. Já no Brasil, onde qualquer pobre é elitista, a eleição de outro era considerada como um amesquinhamento do país.
O fato é que, para mantermos o modelo de democracia representativa, temos que aturar que sub-sub-sub-sub-celebridades, inclusive oriundas de uma das mais imbecilizantes expressões da contemporaneidade — o Big Brother Brasil2 —, pleiteiem e até consigam mandatos. Cantores fracassados, atores que estão há muitos anos apenas "estudando papeis", gente que ganhou alguma notoriedade graças a programas sensacionalistas de rádio e/ou TV, exploradores da boa fé religiosa de incautos e uma raça que me provoca especial aversão: jogadores de futebol. Sim, eu detesto jogadores de futebol ricos. Considero uma das maiores indignidades que um sujeito fique milionário tão cedo porque bate bem uma porcaria de bolinha. Acho que deveria haver uma lei limitando o salário dessa gente, já que quem trabalha, quem faz coisas úteis ganha tão mal. E o resultado são os Ronaldos, os Adrianos, os Patos, os Neymares da vida — com suas festanças de incomodar os vizinhos, suas drogas, seus escândalos, suas inconsequências, suas arrogâncias, seus pitis, tudo o que deveria ser evitado já que, desgraçadamente, são referenciais para a nossa juventude. A começar pelos penteados. Quando vejo um sujeito com a cabeleira a la Neymar, tenho vontade de dar um pedala no indigente.
Pode ficar pior? Claro que pode. Elege-se um Romário, que já era detestável como jogador, e o sujeito começa sua vida parlamentar federal jogando futevôlei no Rio de Janeiro, em dia de sessão em Brasília, e pendurando amigos incompetentes em seu gabinete. Ou, para finalmente chegar ao ponto que me moveu a esta postagem: elege-se um Robgol, cujo único mérito foi ter sido goleador no Paysandu, um desses timinhos ordinaríssimos aqui do Pará, e o que ele fez? Segundo a imprensa comum, tornou-se um dos maiores mamadores das tetas públicas no período em que enxovalhou o mandato de deputado estadual. E o fez através de atos tão ostensivamente irregulares, que só podem ser compreendidos no contexto da certeza de impunidade.
Quando Robgol foi declarado eleito, houve quem perguntasse o que um sujeito desses teria a oferecer ao Pará. Nada, claro. Um forasteiro que não emplacou em nenhum grande clube e teve que se contentar com o Paysandu mesmo. E já que estava por aqui, aproveitou-se da alta qualidade do eleitorado paraense, que o elegeu por causa de seu histórico com o pijama de listrinhas alvicelestes. Eleitores que mereciam uma sanção penal, também.
No final, há fortes indícios de que Robgol deu uma goleada de irregularidades em cima de nós. Fez o que se podia esperar, se o eleitor tivesse algo além de futebol na cabeça. Pode ser deprimente, mas é também mera relação de causa e efeito.
Era mais ou menos isso que tinha a dizer. Agora é esperar as pedradas que receberei porque mexi com o futebol e, sabe como é, não existe nada mais importante no universo do que isso, né?
1 No Brasil, existem restrições devido à idade e à condição de analfabeto. Democratas radicais podem se insurgir contra as duas. Eu acho as duas bastante razoáveis.
2 Não faço críticas pessoais ao deputado federal Jean Wyllys: ele é inteligente e tem lá seus engajamentos sociais. Mas houve outros casos de gente de reality shows ou que nem chegaram a isso tentando um carguinho público, felizmente sem sucesso.
16 comentários:
Pela primeira vez, desde que comecei a acessar o Flanar, concordo com absolutamente TUDO que onobre advogado Yudice escreveu. Parabéns. Adorei o post!
Yúdice, sua postagem foi direto na veia!
Só há decepção quando se espera algo.
E não há absolutamente nada a se esperar desse cenário.
Nada.
Abs.
Hey, Scylla! Que desesperança é essa? Nem parece você!
Exercício de crítica cidadã responsável, entremeado com finos bom humor e ironia.
Por estas razões, que sou fã incondicional dos textos do queridíssimo Yúdice.
Show!
Amigos, eu agradeço o respaldo que me dão. Honestamente, só esperava levar pedradas, mas talvez elas ainda cheguem, a partir do começo da semana útil. Ah, mas eu precisava dizer!
Querido Yúdice, eu vou jogar a pedra (com todo carinho, claro): adoro futebol e, especialmente, um dos clubezinhos daqui. Em compensação, não gosto de cães, que babam, sao barulhentos, não cheiram bem e fazem sujeira. Na compensação da compensação, sou apaixonado por gatos.
No mais, é óbvio que tua crítica ao eleitorado procede. Só lembro que em toda parte do mundo - tanto o ocidental, quanto o oriental - desportistas (e futebolistas em particular) ocupam cargos importantes ou, pelo menos, são pessoas influentes. A diferença é de formação, do traço cultural de cada país, que pode alcançar qualquer pessoa, em qualquer tipo de atividade. Aqui, até ministros do STF falam e fazem besteiras.
A crítica particular ao eleitorado paraense, portanto, para mim não procede. Afinal, Romário, o detestável, foi eleito por um dos estados com maior PIB e maior taxa de escolaridade da Federação.
Bom domingo.
Ah, e um abraço!
Eu tinha absoluta certeza de onde viria a primeira pedra.
Hehehehe
Égua, Barretto, somos dois. Ia comentar a mesma coisa!
É interessante, pra quem já leu 'A teoria das formas de governo', do Bobbio, onde ele trás um diálogo, acho que de alguma obra de Heródoto, no qual três possíveis sucessores do trono persa discutem sobre qual seria a melhor forma de governo pro império persa daquele momento em diante.
Cada um dos três defende uma forma: democracia, aristocracia e monarquia. O bacana é ver que a questão "será que o povo sabe governar-se?" que é dos temas mais recorrentes na história do debate sobre democracia, já ali existia, pelo menos uns 400 anos antes de Cristo. Claro que o problema deu origem a vários outros, questões foram reformuladas, etc, mas sem dúvida é um tema clássico.
Por aqui, dá pra dizer que o eleitorado não serve nem pra escolher síndico...
Abraços e bom fim de domingão!
Discutir sobre a baixa qualidade do eleitorado - inclusive os "instruídos" - é chover no molhado, então, não tenho nada a acrescentar, mas me intriga muito essa discussão futibolística paraense.
Temos dois times absolutamente medíocres e as pessoas tentam discutir qual deles é "melhor". Ora, francamente...
Silvina, eu juro que não sou o pessimista de plantão.
Como dizia o finado Barão de Itararé: de onde não se espera, é daí que não sai nada mesmo!!!
Pois é, Francisco. Após ler tudo, fico com a firme sensação de que estamos nivelando por baixo e isso não me dá nenhum alento. Outro abraço.
Lucas, eu até tento evitar essa linha de que o povo não sabe votar, mas acabo recaindo na ideia de que o candidato patife surge apenas de sua convicção de que o eleitorado o receberá; se fosse um público mais exigente, mais responsável com o próprio futuro, menos conivente com as safadezas que grassam por toda parte, muita gente não daria a cara a tapa.
Ou seja, a coisa está mesmo de mal a pior.
Yúdice ,
Tenho um amigo que tem uma teoria bacana sobre jogador de futebol e seus salários : Na medida em que o cara é craque e dá espetáculos num circo de muito dinheiro ele teria sim direito a uma remuneração acima da média mas da seguinte forma : até o final de sua carreira como jogador receberia um limite razoável para uma boa sobrevivência e o restante seria aplicado em um fundo que ele só poderia resgatar quando após a carreira apresentasse o diploma de segundo-grau bem cumprido e cursado com limite de aproveitamento.
Viva Darcy Ribeiro _ "o Brasil só tem 3 problemas : "educação , educação e educação"
Abraços
Tadeu
Só faltou um detalhe: Quem na realidade elegeu esse cara, a época, foram aqueles bandidos da torcida organizada terror bicolor. Já parou pra te certificar que eles são em numero de 15 mil? então certifique-se. olha que sou remista. e conheço centenas de torcedores do papão que não votaram neste sujeito. a mesma coisa é a outra torcida organizada do remo: Remoçada. Só bandido. mas por sorte nossa não emplacou ninguem,em função das mazelas dos dirigentes do clube,que não permitiram o clube alçar voos maiores,com isso criar alguns oportunistas.
O TEXTO É BOM, MAS ATACAR O PAYSANDU ASSIM NAO. QUE O ROBGOL É UM BANDIDO ISSO É INEGAVEL, E EU NEM VOTO NO PARA E ODEIO JOGADOR DE FUTEBOL, O OUTRO TIMINHO DO PARÁ QUE TEM A COR DE FORRO DE CAIXAO DE POBRE E É FORA DE SERIE TAMBEM TEVE OU TEM CRAPULAS NA POLITICA COMO JADER BARBALHO. SEU TEXTO SERIA OTIMO SE NAO APELASSE PRO DESPEITO.SE TEM UM CLUBE QUE ELEVOU O PARÁ, ESSE TIME É O PAYSANDU. FORA ROBGOL E SEUS ASSECLAS
O que mais gostei no texto foi a utilização da figura de linguagem do tema principal, associando-o ao futebol. Suposta paixão nacional.
Hoje, 22 de maio de 2011. O jornal O Liberal publicou um editorial de lavra menor. Achincalhante, como de resto o vem fazendo desde o último dia 5/05, próximo passado.
Trata sobre supostos previlégios dos açogueiros, como passaram a nos chamar, sobre assunto de interesse nacional.
Não informa o leitor. Não apresenta argumentos. Ataca, ataca e ataca.
Fácil para quem tem um prensa, não?
Embora acredite que fundamentos de regime de governo não estejam associados à paixões de qualquer ordem, o ser político, em sua essência o faz por gravidade, paixão ou o que é mais grave: alienação.
O artigo do professor Yúdice, além de inteligente, em muito supera a crítica vazia de comportamentos não republicanos.
É uma chamamento alerta para o voto. Votar em propostas. Projetos factíveis de realização. Compromisso, enfim, com o povo ou parcela dele.
Parabéns pelo texto, nobre professor.
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