domingo, 26 de junho de 2011

Desfaçatez & emburrecimento

Tudo bem, eu sei que o marketing existe para vender produtos e que, com essa finalidade, a verdade é o que menos conta. Também sei que em certos setores a desinformação, a distorção dos fatos ou a mentira mais escancarada são situações comuns. No mundo da política, esta é a realidade mais evidente. Em suma, acreditar em propaganda político-partidária é um menosprezo há razão. Mas há quem acredite. Aliás, no Brasil, esse tipo de marketing é dirigido mais especificamente aos setores intelectualmente vulneráveis da sociedade, mais suscetíveis de acreditar em promessas, falácias e nos salvadores da pátria.
Embora sabendo de tudo isso, achei que o PTB passou da conta em seu programa da última quinta-feira, ao abordar com a mais absurda irresponsabilidade dois temas delicados e da maior importância, ligados à proposta de reforma política: o voto em lista e o financiamento público de campanhas. Está certo que não se pode esperar muito de um partido que reúne gente do quilate de Roberto Jefferson, Gim Argello e, por estas bandas, um certo prefeito-catástrofe, cujo repulsivo nome não conspurcará estas linhas. Mas mesmo assim, um pouco de limites seria oportuno.
As duas matérias mencionadas são controversas e eu mesmo admito que não tenho uma opinião formada a respeito. Contudo, mesmo que não se tome posição a favor ou contra essas duas propostas, a propaganda do partido foi acintosamente emburrecedora, por escamotear a verdade com dolo direto.
Ao rechaçar o financiamento público de campanhas eleitorais, o programa sugeriu que não haverá mais dinheiro para diversos fins públicos, somente para as campanhas. Mostrou, p. ex., pessoas sem atendimento médico, porque não há dinheiro para a saúde, mas há para os cartazes deles. Com isso, deu a entender que o orçamento público seria simplesmente recambiado para as campanhas políticas, mediante a supressão de verbas para quaisquer outros fins, mesmo aquelas que possuem tetos constitucionais. É evidente que, aprovada a medida, imediatamente serão aplicados esquemas de locupletamento ilícito. Mas o que se precisa lembrar é que o modelo atual é péssimo. Com qualquer um podendo doar, o candidato se torna devedor de seus financiadores, como bem se pode retratar através do atrelamento entre as campanhas à presidência da República e a pujança econômica dos bancos, há muitos e muitos anos. E o que dizer das doações feitas por grandes empreiteiras, que posteriormente vencem as licitações para as maiores obras do país?
O mesmo tipo de safadeza é empregado em todos os níveis federativos e a legislação eleitoral não tem sido capaz de coibir as mazelas, daí a existência de doações fantasmas, caixa dois e outras malinagens do gênero.
Quanto ao voto em lista, a deturpação vinha da ideia de que o eleitor não mais escolherá o eleito. Vote em quem votar, o partido é que decidirá quem assumirá o mandato. O voto em lista, pelo que vejo, sofre mais resistência do que o financiamento público. É algo que precisa ser refletido com prudência. Mas o programa do PTB omitiu convenientemente que os partidos realizam as suas convenções e apresentam os nomes que bem entendem ao eleitorado. De fato, você votará nos nomes de sua preferência, mas a questão é: esses nomes reúnem requisitos mínimos para merecer a confiança do eleitor? Na verdade, o registro das chapas é decisão unilateral do partido, que lança dezenas ou centenas de nomes, mas privilegia os caciques, inclusive financeiramente e também por meio do espaço que dá na propaganda gratuita, direcionando a eleição para certas pessoas em particular. Você vota na meia dúzia de iluminados que o partido acolheu, mesmo que sejam algumas figurinhas das mais asquerosas.
A suposta liberdade de escolha hoje existente não impede que, por meio do quociente eleitoral, um candidato com milhares de votos seja preterido por outro, miseramente votado, porém catapultado por um fenômeno eleitoral como Enéas ou Tiririca. Também não impede que a sociedade ganhe uma representação meramente formal, posto que os eleitos no fundo não representam essa sociedade, mas setores bem limitados dela, imbuídos o mais das vezes dos mais espúrios objetivos. É essa liberdade que o PTB quer? Aposto que sim. Para que gente como os três acima nominados continuem aprontando das suas.
Em suma, o que precisamos é trazer à tona todos os aspectos das grandes questões nacionais, apresentando fatos. Sobre eles, faremos as críticas necessárias para saber se a ideia é boa ou não. Mas em cima de mentiras não se pode construir nenhuma deliberação idônea para os reais interesses da população brasileira.

3 comentários:

Anônimo disse...

Eu sou contrário às duas propostas. Sou contra o financiamento público, pelo simples fato de que não vai eliminar o caixa dois, as doações por meio de laranjas, os paulos-pretos da vida e coisas assim. Vai continuar tudo como dantes. É algo que só interessa a quem anda errado.

Nesse campo melhor se faria se tivéssemos o sistema honesto e pragmático que vigora nos EUA: o político pode receber dinheiro até do Satanás, desde que declare isso. Se não declarar, pode até a doação ser do Dalai Lama, é considerada ilegal. Isso, aliado a um funcionamento coerente e rápido do Judiciário, resolveria o problema.

Quanto à lista fechada sou contra por valorizar o meu voto no candidato com quem estabeleci uma relação de confiança. Dentro de um mesmo partido há bons e maus candidatos, então eu como eleitor tenho direito de escolher em quem quero votar, inclusive se for alguém sem chances de ser eleito (como já fiz muitas vezes).

Melhora fariam para fortalecer os partidos se aprovassem a verticalização das coligações e impedissem os eleitos ao Legislativo de assumir cargos no Executivo. Nada é mais fraudulento do que o sujeito cantar o eleitor a campanha inteira para eleger-se, e uma vez eleito abandonar a votação por um cargo executivo, que não requer votação, deixando em seu lugar um suplente no qual eu não votei.

E, só pra concluir: a melhor forma mesmo de valorizar os partidos é o Sistema Parlamentarista.

Yúdice Andrade disse...

Caro Prof. Alan, também sou favorável ao parlamentarismo que, enquanto modelo, considero muito superior ao presidencialismo. Infelizmente, há alguns anos me convenci de que, no Brasil, não importa quão boa e justa seja a ideia, ela sempre é corrompida pelos safados. Tenho medo de como seria a aplicação do parlamentarismo no Brasil. As distorções poderiam fazer o senso comum passar a demonizar um modelo que na verdade é bom.
Em suma, penso que precisamos evoluir, nos campos da educação, da política, da cidadania, antes de pensarmos em instaurar o parlamentarismo. Enquanto grassarem entre nós campanhas como esta que critiquei, com receptividade do público, não há como sugerir medidas como o parlamentarismo.

Anônimo disse...

Prezado Yúdice, a respeito dessa inversão das coisas aqui no Brasil, quando muitas vezes a roda passa a ser considerada quadrada, o Luis Nassif publicou um post interessante, o qual, com a devida venia, sugiro que os Amigos Flanares levem à ribalta:
http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/a-dificuldade-de-discutir-temas-nacionais