Quem conta um conto, aumenta um ponto. É o que dizem. No meu caso, o ditado funcionará porque já não sei onde li o que pretendo contar. Já o procurei diversas vezes, já comprei livros em sua busca, já indaguei ao oráculo de bits. Nada. Como o sonho que descreve, ele continua para mim um mistério. Só lembro que saiu da pena do grande Jorge Luís Borges.
Dizia a história mais ou menos que, num país do Oriente, um rei recebera um prenúncio: o de que um dragão ameaçaria seu reinado e, chegando no breu noturno, o engoliria vivo enquanto ele estivesse dormindo.
Para manter-se acordado, o rei convocou seu ministro mais próximo e pediu-lhe uma solução. O ministro sugeriu-lhe que, para evitar o sono, jogassem intermináveis partidas noturnas de xadrez. O jogo longo, que lhe exigiria concentração, manteria o monarca acordado até que o monstro desistisse.
Exaustivas noitadas de jogo, porém, venceram rei e ministro. Fustigados pelo cansaço, certa vez ambos adormeceram.
Em sonho, o rei encontrou o dragão. A fera estava sem forças, semanas inteiras sem dormir à espera que o monarca o fizesse. À inteira mercê da espada real, deixou que sua cabeça fosse decepada, sendo morto na imaginação.
Ao acordar, o rei recebeu a notícia de que, perto de seu palácio, um acontecimento espantara a população. Uma cabeça enorme caíra do céu, sem que ninguém soubesse do que se tratava. O monarca mandou vir a cabeçorra e, surpreso, reconheceu o dragão do sonho. Seu reino estava salvo.
Nunca mais achei esse conto, nem sei se a história é exatamente esta. Talvez seja, talvez não. Quem a souber, ou conhecê-la, diga-me onde a encontro. Ou, se quiser, acrescente-lhe um ponto.
4 comentários:
Maravilhoso, Francisco!
O problema da obra do Borges é que muitos contos estão em muitas compilações, então talvez só um expert ou o acaso possam localizá-lo.
Um abraço.
Chama-se A Sentença, e é o 1º conto do livro Contos Breves e Extraordinários, uma obra conjunta de Jorge Luis Borges e Adolfo Bioy Casares. Li em espanhol, não sei se tem publicação em português - não aqui no Brasil.
Concordo com Scylla. Também achei maravilhoso, Francisco (aliás, este é um dos nomes que adoro pronunciar...).
Lembrei de Mil e Uma Noites, sabe? Mas gostei da idéia de acrescentar um ponto. A memória não nos trai à toa. Deixemos ela também em seus movimentos, ora. Ainda assim, vou vasculhar meus alfarrábios.
Alan, mataste a pau!
Li o conto (que, aliás, é mais curto do que eu lembrava) em português - em tradução da Clarice Lispector. Está na obra "Borges no Brasil", uma edição que eu tenho, mas onde nunca pensei procurá-lo.
Sempre imaginei tê-lo lido nas Obras Completas do Borges, edição da Globo que só completei ano passado ao adquirir o volume 2, que está fora de catálogo há anos. Quando deste o nome do conto, procurei alguma informação no Google, agora com novos dados, e encontrei-o. Estava perdido na biblioteca de casa há anos, bem próximo de mim. Obrigado!
Isto só ressalta um fato: o quanto uma biblioteca é um tesouro vivo, um Eldorado onde sempre é bom se perder (mas isso é assunto para outro post).
Scylla e Erika, a memória realmente me traiu. A começar pelo fato de que quem mata o dragão é o ministro, e não o rei - a quem a fera havia, na verdade, pedido proteção. Em outra postagem, transcreverei o conto para botar os pontos (ou os pingos) nos is.
Abraços em todos.
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