terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

O elo perdido



Quando o filme de ficção científica Blade Runner foi lançado, na década de 1980, milhares de jovens (inclusive eu) foram impulsionados à leitura das obras de Philip K. Dick, que havia morrido um pouco antes.
Os maravilhosos textos de Dick acabaram por me cegar para um livro que havia sido lançado quatro meses depois daquele filme, Neuromancer, de William Gibson, que acabaria por gerar um sub-tipo sci-fi conhecido por cyberpunk.
Apenas no final dos anos 1990, com o lançamento de outro filme de impacto, Matrix, a obra visionária de Gibson passou a ter o destaque editorial merecido, apesar dos inúmeros prêmios literários recebidos (Nebula, Hugo e o próprio prêmio Philip K. Dick).
Em Neuromancer, os conceitos de inteligência artificial e de um cyberespaço "físico" (a Matrix) foram explorados pela primeira vez na literatura, assim como muitas idéias absurdamente visionárias para a época, tais como tecidos transgênicos, a "televisão da realidade" e as próprias bases conceituais para os ambientes virtuais (como os jogos e a internet, inclusive prevendo o surgimento de megacorporações, tipo Apple e Microsoft). Hackers, vírus de sistemas e computadores portáteis, que só iriam florescer um década depois, já estavam lá e muito bem descritos.
Na verdade a roupagem tecnológica é apenas um disfarce para um enredo sobre os humanos e suas sociedades. O futuro projetado por Gibson há quase 30 anos ainda está por ser atingido, mas a leitura deste livro me mostrou que estamos perigosamente no rumo por ele apontado, do ponto de vista tecnológico, político e social.
E hoje me pergunto como pude me permitir não ler este livro tão fantástico, inovador e perturbador, e vir a acessá-lo apenas em 2012?!
A culpa, eu presumo, é de Philip K. Dick, que me "forçou" a viajar mentalmente para o futuro, correndo para trás no tempo cronológico de suas obras.
Agora tentarei reajustar o rumo magnético ao mergulhar de cabeça nos outros dois livros que, juntamente com Neuromancer, constituem o que o autor denomina de trilogia Sprawl: Count Zero e Monalisa Overdrive.
Espero sobreviver.

PS: a bela ilustração da capa da edição brasileira (Ed. Aleph) foi feita pelo artista de rua Titi Freak.

4 comentários:

Marise Rocha Morbach disse...

Scylla essa literatura entrou na minha vida pela imagens do audiovisual. Eu as desconheço, mas reconheço a impressionante capacidade desses escritores em projetar cenários e personagens que parecem antecipar o futuro. Você tem sido o meu professor nessa temática literária. Muito legal, abs.

Scylla Lage Neto disse...

Marise, na versão audio-livro de Neuromancer, a trilha sonora é do U2, cuja turnê Zoo TV foi baseada visualmente nesta obra.
Outras bandas menos famosas, como Dope Stars Inc, que toca Industrial Rock, basearam álbuns inteiros em Neuromancer.
Tri-legal, né?
Just dig it!
Abs.

Antonio Edson Santos disse...

Do Gibson só li o "Reconhecimento de padrões", que, dizem, é o mais fraco dele, mas achei muito bom. Dá pra ler de uma só vez.

Scylla Lage Neto disse...

Antonio, eu li que "Reconhecimento de Padrões", de 2003, foi o primeiro romance de Gibson a se passar no mundo contemporâneo, e pretendo chegar nele após a trilogia Sprawl.
Neuromancer é ímpar, meio hermético, meio enigmático em certas partes, mas absolutamente cativante. Um livro difícil de ser filmado, eu diria.
Um abraço.