quinta-feira, 14 de junho de 2012

Trabalho de parto

Trabalho de parto


parto como
quem planta
de fora pra dentro
da fúria disforme
do fogo que (fátuo) afia
a faca que fura
dura feito falo
a flor da palavra

pedra
a pedra da palavra
flor

parto como
quem expulsa a dor
com os fórceps da  v  a  g  i  n  a

parto
essa detonação do corpo
como a rosa de Hiroxima

parto
um verso natimorto
um aborto da rima

[ do riso
em estado puerperal
que arrebata o juízo

disseco meu peito
da aorta ao
umbigo]

porque poema nenhum, jamais, nasceu
de parto normal

e assim, no cesariano contato
com cada sanguínea palavra
vejo misturar-se ao ritmo
primal algumas vísceras
do verbo entre átrios
e artérias

no percurso quase prosaico
do trígono fibroso
ao septo ventricular
até chegar irrigando róseos tons
ao tom só rubro do coração
acelerado
acelerado
acelerado
quizás tomado pelo psicotrópico efeito
de ver-se a si próprio
pulsando no papel
quizás pelo encontro inesperado
e repentino com seu amo
[que é ironicamente seu resto
e seu rosto (ou sua máscara)

e nesse mais que colorante-instante
em que o cárdio esparge idéias pela carótida
em que as veias e os vasos mais líricos
– sem misturarem-se aos venosos vãos –
arquejam por pleuras e alvéolos

ofega a máquina humana

e o poema oscila, excitado
como as ondas de um eletrocardiograma



[Em tempos de marcha em defesa do parto "natural", nada mais apropriado, poeticamente, que este poema que me foi presenteado, pelo site indicado pela artista Keyla Sobral. Que me desculpem os médicos, que têm todo meu respeito, mas o Ato Médico não é solução, representa o AI 5 da saúde]

5 comentários:

Marise Rocha Morbach disse...

É preciso se posicionar afinal... continue firme Erika Morhy!

Lafayette Nunes disse...

Entendi. Mas, ainda não com relação ao parto e tal. O Ato Médico não é científico? Ainda sou à favor...

...sei lá. Ainda me parece lógico dar aos médicos o direito exclusivo de fazer o diagnóstico das doenças...

...e, com isso, também dar a respectiva prescrição terapêutica. Fora desta regra, parece-me ilógico.

Parece-me que, fora da ciência estudada, testada, retestada, estudada, testada, modelos, remodelos, estudos, estudos, não há razão para o homem se desviar disso, ou querer se manter fora disso.

Lafayette Nunes disse...

Ah, e claro, que parteiras e demais pessoas podem ajudar no processo, mas, diagnóstico e prognóstico, parece-me bem mais razoável ser um ato médico.

Scylla Lage Neto disse...

Erika, prefiro evitar a polêmica trajetória do ato médico no Brasil com um pensamento içado do budismo: nós temos que fazer o que nós temos que fazer.
A nós médicos cabe ajudar as pessoas, diagnosticando e, se possível, tratando e/ou indicando profissionais competentes para tal.
Note que a responsabilidade por cada ato recai em quem o faz ou em quem deixa de fazê-lo.
Autonomia embute responsabilidade e é aí que eu vejo a fragilidade do posicionamento radical contra o ato médico.
Vejo defesa deslavada de mercado de trabalho e não muito mais além disso.
E, a propósito, o poema é tão bonito quanto um parto normal - adorei!
Um abraço.

Erika Morhy disse...

Sim, todos os profissionais da saúde devem assumir suas responsabilidades pelo que fazem ou deixam de fazer. Mais um bom motivo para ser contra o Ato Médico. Novas categorias, ao longo da história, foram criadas e têm suas atividades regulamentadas. Há que se respeitar.
E, de fato, a reserva de mercado também está entre as motivações de muitos, inclusive da classe médica.
Ainda acredito que a descentralização desse poder é importante.
Quanto ao parto, tanto o cirúrgico quanto o normal têm seus prós e contras. Até onde for possível, a mulher precisa ter mais assistência e acolhimento para escolher a forma. Já vi bons documentários sobre o trabalho de parteiras, mas claro que há seus riscos.
Bem, a parte do parto, o poema é lindo.
Grande abraço e obrigada pelas suas observações delicadas.