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Perda do Mandato
Tenho mantido distância desses debates ridículos que glorificam aqueles que votam pela condenação e punições exemplares para os envolvidos no "caso mensalão" e demonizam os que votam pela absolvição. Repudio a classificação estúpida entre "patriotas" e "vendidos". Tento encarar a questão de modo mais objetivo. Contudo, um ponto sempre foi singular para mim: a controvérsia, que a meu ver não deveria existir, acerca da perda dos mandatos de parlamentares condenados.
Na semana passada, mais um dissenso entre relator e revisor da ação penal envolveu justamente esse tema. Ontem, foi o dia de os demais ministros debatê-lo.
O art. 92, I, do Código Penal é expresso ao determinar que constitui efeito da condenação "a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo: a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a administração pública; b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a quatro anos nos demais casos". Os réus do processo em apreço se enquadram nos dois casos.
A tese conveniente é de que o Poder Judiciário não pode determinar a perda dos mandatos porque isso violaria uma prerrogativa do Legislativo, entrando em cena o princípio da independência entre os poderes. Esquecem os defensores dela, entretanto, que ao agir dessa forma, os ministros não estariam fazendo outra coisa senão aplicar a lei e, por conseguinte, respeitar a vontade do legislador, que opera (ou deveria operar) de modo impessoal e atemporal.
Para mim, não há outra interpretação possível: uma vez transitada em julgado a decisão condenatória, a perda do mandato é uma simples consequência desse fato. Remetê-la à deliberação da Câmara dos Deputados é um absurdo por qualquer ângulo que se olhe. Conferir ao parlamento o poder de deliberar sobre o tema implica em facultar-lhes a manutenção dos mandatos. Afinal, porque se ele fosse obrigado a meramente convalidar a deliberação judicial, estaríamos diante de um processo inútil, porque já conhecido o seu resultado, havendo pura procrastinação. Nesse meio tempo, enquanto pende a decisão da Câmara, os condenados não apenas estariam recebendo seus generosos subsídios, pagos pelo contribuinte, quanto votariam nas matérias de maior interesse do país. E eu não quero um político corrupto e condenado em definitivo ajudando a decidir nada sobre a vida do país.
Por outro lado, se entendermos que o Legislativo pode rejeitar a decisão do STF e manter os mandatos, aí sim teríamos a violação ao princípio da independência dos poderes, porque se estaria negando validade a um veredito regularmente obtido.
O problema reside no fato de que o art. 55, § 3º, da Constituição determina que, nos casos de condenação criminal transitada em julgado, "a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa".
Ou seja, se fôssemos analisar a literalidade da lei, realmente a decisão seria do parlamento. Mas além de que precisamos analisar as normas de modo sistemático e não isolado, temos que ponderar as razões antes apresentadas e, particularmente, lembrar o corporativismo cínico que levou à elaboração de uma norma tão maliciosa. Devemos lembrar, inclusive, que deputados federais e senadores eleitos para o exercício de mandatos comuns foram alçados à condição de Assembleia Nacional Constituinte e trabalharam não como cidadãos organizando um país, mas como políticos de carreira de olho no próprio umbigo.
Acima de tudo, deve-se pensar que, se o mandato não for perdido imediatamente, indivíduos condenados por crimes contra a Administração Pública, dentre outros, continuarão em um dos mais altos postos da Administração Pública, mesmo na "iminência" de cumprir uma pena longa, em meio fechado. É absolutamente contraditório e uma violência contra todos os valores de uma ordem democrática.
É isso que dá mandar o cachorro tomar conta da linguiça.
Falta um voto para que a questão seja resolvida pelo STF. O voto será do decano da corte, Min. Celso de Mello, que segundo consta já teria sinalizado pela perda imediata dos mandatos. Espero que pelo menos desta vez eu esteja filiado à tese que prevaleça.
Yúdice Andrade
Perda do Mandato
Tenho mantido distância desses debates ridículos que glorificam aqueles que votam pela condenação e punições exemplares para os envolvidos no "caso mensalão" e demonizam os que votam pela absolvição. Repudio a classificação estúpida entre "patriotas" e "vendidos". Tento encarar a questão de modo mais objetivo. Contudo, um ponto sempre foi singular para mim: a controvérsia, que a meu ver não deveria existir, acerca da perda dos mandatos de parlamentares condenados.
Na semana passada, mais um dissenso entre relator e revisor da ação penal envolveu justamente esse tema. Ontem, foi o dia de os demais ministros debatê-lo.
O art. 92, I, do Código Penal é expresso ao determinar que constitui efeito da condenação "a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo: a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a administração pública; b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a quatro anos nos demais casos". Os réus do processo em apreço se enquadram nos dois casos.
A tese conveniente é de que o Poder Judiciário não pode determinar a perda dos mandatos porque isso violaria uma prerrogativa do Legislativo, entrando em cena o princípio da independência entre os poderes. Esquecem os defensores dela, entretanto, que ao agir dessa forma, os ministros não estariam fazendo outra coisa senão aplicar a lei e, por conseguinte, respeitar a vontade do legislador, que opera (ou deveria operar) de modo impessoal e atemporal.
Para mim, não há outra interpretação possível: uma vez transitada em julgado a decisão condenatória, a perda do mandato é uma simples consequência desse fato. Remetê-la à deliberação da Câmara dos Deputados é um absurdo por qualquer ângulo que se olhe. Conferir ao parlamento o poder de deliberar sobre o tema implica em facultar-lhes a manutenção dos mandatos. Afinal, porque se ele fosse obrigado a meramente convalidar a deliberação judicial, estaríamos diante de um processo inútil, porque já conhecido o seu resultado, havendo pura procrastinação. Nesse meio tempo, enquanto pende a decisão da Câmara, os condenados não apenas estariam recebendo seus generosos subsídios, pagos pelo contribuinte, quanto votariam nas matérias de maior interesse do país. E eu não quero um político corrupto e condenado em definitivo ajudando a decidir nada sobre a vida do país.
Por outro lado, se entendermos que o Legislativo pode rejeitar a decisão do STF e manter os mandatos, aí sim teríamos a violação ao princípio da independência dos poderes, porque se estaria negando validade a um veredito regularmente obtido.
O problema reside no fato de que o art. 55, § 3º, da Constituição determina que, nos casos de condenação criminal transitada em julgado, "a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa".
Ou seja, se fôssemos analisar a literalidade da lei, realmente a decisão seria do parlamento. Mas além de que precisamos analisar as normas de modo sistemático e não isolado, temos que ponderar as razões antes apresentadas e, particularmente, lembrar o corporativismo cínico que levou à elaboração de uma norma tão maliciosa. Devemos lembrar, inclusive, que deputados federais e senadores eleitos para o exercício de mandatos comuns foram alçados à condição de Assembleia Nacional Constituinte e trabalharam não como cidadãos organizando um país, mas como políticos de carreira de olho no próprio umbigo.
Acima de tudo, deve-se pensar que, se o mandato não for perdido imediatamente, indivíduos condenados por crimes contra a Administração Pública, dentre outros, continuarão em um dos mais altos postos da Administração Pública, mesmo na "iminência" de cumprir uma pena longa, em meio fechado. É absolutamente contraditório e uma violência contra todos os valores de uma ordem democrática.
É isso que dá mandar o cachorro tomar conta da linguiça.
Falta um voto para que a questão seja resolvida pelo STF. O voto será do decano da corte, Min. Celso de Mello, que segundo consta já teria sinalizado pela perda imediata dos mandatos. Espero que pelo menos desta vez eu esteja filiado à tese que prevaleça.
Yúdice Andrade
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