Poetas
e escritores saracoteavam numa fila que já dobrava quase duas esquinas.
Aproveitavam o momento de espera para preencherem a ficha. Eu avistava à frente
alguns conhecidos amigos: Antonio Maria, ao lado de Manuel de Barros, vivia a
rir; Joãozinho conversava com Thiago de Melo; Abel gesticulava com Drummond; Sodré
versejava com Dalcídio Jurandir; Dudu proseava com Rimbaud; Cilão arguia com
Thomas Dylan. Permaneci sozinho no rabo da fila a espera de ser notado. Não me
viram. Aí não me contive e me acheguei a Gonçalo Tavares, logo a minha frente,
ainda sozinho. Puxei conversa e percebi que o angolano apenas desconfiava me
conhecer. Por educação sacou um livro de sua coletânea “Os Bairros” e me
emprestou. Título: “O senhor Brecht” - desandei a ler. Pedi-lhe mais um e ele me vendeu
"O Senhor Henri". Mais: "O Senhor Juarroz".
Depois “O Senhor Kraus”. A fila andava lenta - veio “O Senhor Calvino”. A fila
andava rápida - segui com “O Senhor Walser”. Na marcha lenta - “O Senhor
Breton”. Na rápida - “O Senhor Swedenborg”. Li também “O Senhor Eliot”. A conta
deu alta. Parei no “O Senhor Valéry”.
Embriagado pelo bordado das letras e pelo pensamento frouxo dos
escritos resolvi abandonar a fila e esticar minha euforia até a birosca da esquina
com dois dedos de absinto prescrito por Paul Valéry. Senti o chão tremer. Temi.
Retomei a cobrinha.
Ao chegar minha vez, esgotou-se o dinheiro para quitar a
inscrição. Perdi de vista os amigos; balancei o bolso e nem mais um tostão
caiu. Desisti. Não era meu dia. Voltei para casa cambaleando pela calçada sem
abandonar a coleção que carregava no alforje. Já não era “O Senhor de mim”.
Gonçalo me ensinou a gostar de esperar. Volto para a fila na outra encarnação. Sigo carregando
livros.
8 comentários:
Muito legal, Roger!
Agradeço, é claro, a minha presença ao lado do Drummond e já vou tomar a fila para a compra dos livros do Gonçalo Tavares, que há de esgotar após esta divulgação...
Grande abraço!
Como diria o caolho poeta, mestre dos mestres, "ponha-te na bicha"!
E quanto honraria participar desta bicha!!!
Gostei
Cilão,
Poetar é brincar de ser criança, ou seja, criar estórias.
Abel, Não sei se será tão fácil achar por aqui pelo Brasil... Aqui em Belém tem na FOX. Se não conseguires me avisa que te mando por SEDEX.
Edyr, muito obrigado...
Muito legal!
Dois dedos de absinto, Marise. Agora com gelo, que nem cachaça de Abaeté. Brindemos os escritores, poetas, músicos... e também os carregadores de livros, eheheheh!
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