domingo, 2 de dezembro de 2012

Senhor de mim



Poetas e escritores saracoteavam numa fila que já dobrava quase duas esquinas. Aproveitavam o momento de espera para preencherem a ficha. Eu avistava à frente alguns conhecidos amigos: Antonio Maria, ao lado de Manuel de Barros, vivia a rir; Joãozinho conversava com Thiago de Melo; Abel gesticulava com Drummond; Sodré versejava com Dalcídio Jurandir; Dudu proseava com Rimbaud; Cilão arguia com Thomas Dylan. Permaneci sozinho no rabo da fila a espera de ser notado. Não me viram. Aí não me contive e me acheguei a Gonçalo Tavares, logo a minha frente, ainda sozinho. Puxei conversa e percebi que o angolano apenas desconfiava me conhecer. Por educação sacou um livro de sua coletânea “Os Bairros” e me emprestou. Título: “O senhor Brecht” - desandei a ler. Pedi-lhe mais um e ele me vendeu "O Senhor Henri". Mais: "O Senhor Juarroz". Depois “O Senhor Kraus”. A fila andava lenta - veio “O Senhor Calvino”. A fila andava rápida - segui com “O Senhor Walser”. Na marcha lenta - “O Senhor Breton”. Na rápida - “O Senhor Swedenborg”. Li também “O Senhor Eliot”. A conta deu alta. Parei no “O Senhor Valéry”.

Embriagado pelo bordado das letras e pelo pensamento frouxo dos escritos resolvi abandonar a fila e esticar minha euforia até a birosca da esquina com dois dedos de absinto prescrito por Paul Valéry. Senti o chão tremer. Temi. Retomei a cobrinha.

Ao chegar minha vez, esgotou-se o dinheiro para quitar a inscrição. Perdi de vista os amigos; balancei o bolso e nem mais um tostão caiu. Desisti. Não era meu dia. Voltei para casa cambaleando pela calçada sem abandonar a coleção que carregava no alforje. Já não era “O Senhor de mim”.

Gonçalo me ensinou a gostar de esperar. Volto para a fila na outra encarnação. Sigo carregando livros.

8 comentários:

Abel Sidney disse...

Muito legal, Roger!

Agradeço, é claro, a minha presença ao lado do Drummond e já vou tomar a fila para a compra dos livros do Gonçalo Tavares, que há de esgotar após esta divulgação...

Grande abraço!

Scylla Lage Neto disse...

Como diria o caolho poeta, mestre dos mestres, "ponha-te na bicha"!
E quanto honraria participar desta bicha!!!

Edyr Augusto Proença disse...

Gostei

Geraldo Roger Normando Jr disse...

Cilão,
Poetar é brincar de ser criança, ou seja, criar estórias.

Geraldo Roger Normando Jr disse...

Abel, Não sei se será tão fácil achar por aqui pelo Brasil... Aqui em Belém tem na FOX. Se não conseguires me avisa que te mando por SEDEX.

Geraldo Roger Normando Jr disse...

Edyr, muito obrigado...

Marise Rocha Morbach disse...

Muito legal!

Geraldo Roger Normando Jr disse...

Dois dedos de absinto, Marise. Agora com gelo, que nem cachaça de Abaeté. Brindemos os escritores, poetas, músicos... e também os carregadores de livros, eheheheh!