domingo, 13 de janeiro de 2013

conciliações possíveis



De volta à terra natal, mesmo que temporariamente, retomo um processo que me é familiar: nostalgias, melancolias, lembranças e descobertas. Essa imagem de Cristo, creio que em gesso, remonta, como num passe de mágica, à minha infância, quando ia com freqüência à cidade paraense que meu avô paterno, Hassan, dizia ser muito parecida com sua cidade de origem no Líbano, Deir Amar. Areia branca, dunas, mar e muito vento. Ele chegou a morar em Salinas por alguns bons anos. E eu chegava a passar um mês quase inteiro de férias com eles, enquanto meus pais trabalhavam.

Ainda que mulçumano, meu avô casou com uma brasileira cristã. Minha doce vó Adélia. A conciliação com relação a esta imagem, por exemplo, lembro como se fora hoje, dava-se por meio de um véu negro sobre ela, depositada indefectivelmente dentro do armário. Eu relutava entre a curiosidade e o medo. Gostava de abrir o armário para vê-la, mas me assustava sempre. Não entendia bem.

Meu pai retroalimenta minhas vagas lembranças do meu avô de pijama no quarto a rezar. Ele se banhava antes de se dedicar ao alcorão, recolhido aos seus aposentos.

Era a conciliação possível para o casal à época. Um nível de respeito, portanto, havia ali. Respeito, amor. A paz possível, que tanto eu gostaria de ver entre os povos que não conseguem se tolerar e se põem a sangrar desmesuradamente.

Em nossa ida à cidade no final de 2012, resolvi fotografar a imagem que tanto me captura e que agora já pode ficar à mostra e sem véu, mas a provocar as mesmas emoções em mim.


3 comentários:

Geraldo Roger Normando Jr disse...

Belo texto, Erika. Mais um exemplo de que a melancolia (assim como a nostalgia) é capaz de nos tranformar em artistas (Uaaaau!!! Bati forte, não?). A propósito, acabamos de discutir esse tema por aqui, ainda recente, com o Cilão em "Brahms: a melancolia e o blues".

Erika Morhy disse...

Obrigada, Roger, pela sua leitura generosa. Eu acho mesmo que rojões como a melancolia são capazes de alguns milagres, como transformar nossas divagações em arte - não que eu consigo exatamente isso (rs). O texto do colega Cilão vai na bucha, como o debate que rola nos comentários. Ele soube nos provocar, neh? Assim que é bom!
grande beijo

Erika Morhy disse...

Olhem como meu pai é um fofo?! Escreveu no face, no link que publiquei para esta postagem:
"Minha filha: creio que esta imagem seja a de Salinas que você viu.Se for ela foi o seguinte(se a memória não me falha):Eu médico recém -formado(início dos anos 70) e já na Aeronáutica,jogava futebol aos sábados a tarde lá.Um Juiz de futebol profissional de Belém e conhecido na cidade de nome: Fernando de Jesus Andrade, apitava as nossas peladas amistosas, pois era uma maneira deles complementarem seus salários.Fizemos amizade e ele certa vez doente(agora já falecido) se tornou meu paciente.Em agradecimento, certo dias me levou esta imagem de Jesus, que sua vó Adélia muito católica ficou com a imagem de Jesus e depois levou para Salinas quando lá foi morar.Quiz um tempo me desfazer dela que ficava no quarto,pois me lembrava de minha mãe muito. A Izabel não permitiu,pois gostava muito da sogra Adélia e mantém tudo que era dela lá no guarda roupa de Salinas.É isso.Agora a Imagem permanece lá,na mesa do quarto que era dela em Salinas."

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