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por Ismael Machado
Mas, aos pedaços, Caco Ishak diz que ama. Receoso do que poderia advir de tão aberta confissão, se esconde por trás da deixa, ‘não precisa dizer eu também’. Esse é o título do mais recente livro de poesias de Caco Ishak, lançado pela editora 7Letras.
Poesia. Caco Ishak não empunhou nenhuma guitarra, nem tentou fazer um curta metragem descolado. Não buscou tramas pós-contemporâneas no mundo digital. Escreveu poesias. Nada mais romântico.
Mas é aí que tudo começa a ficar um pouco mais complicado. Falar em poesia nesse lado do Equador é esbarrar em possíveis equívocos. Essa é a terra que cultiva Dalcídio Jurandir como expoente máximo da própria literatura. É terreno pantanoso desafiar a aquosidade dessa literatura.
Onde as imagens sinuosas de rios e ribeirinhos? Onde o sotaque típico? Onde a tradição imutável?
por Ismael Machado
Caco Ishak é um romântico. É claro que não se deve dizer isso em voz alta, pois o que menos Ishak quer é que sejam recolhidos por aí os cacos de sua irremediável inclinação ao mais puro e deslavado romantismo. Pegaria mal a quem cultiva cuidadosamente a imagem de desterrado do paraíso, com a barba suprindo a ausência de cabelos e os óculos escuros escondendo as ruínas de noites anteriores. O cheiro de cigarro e bebida misturados às palavras completaria o quadro.
Caco acenderia mais um cigarro antes de responder a essa pergunta. Que provavelmente continuaria sem resposta mesmo. Caco Ishak nasceu em 1981. Naquele ano, já longínquo, a poesia do mimeógrafo gerada na década anterior começava a ganhar corpo em pequenas e (des)pretensiosas edições. Ana Cristina César lançaria naquele ano o divisor de águas ‘A teus pés’. Chacal, Alice Ruiz, Chico Alvim, Cacaso, Leminski, todos eles, ganhavam espaço. A poesia se tornara pop.
Cacaso, Leminski e Ana Cristina César se foram. Se vivos estivessem, talvez abrissem largos sorrisos ao serem confrontados com versos como ‘se caio do cavalo é por tentar domá-lo sempre/ainda que volte pra casa como quem conserta uma TV molhada de mijo num primeiro de janeiro’.
Sim, a linguagem é impura, como deve ser a de toda poesia que ousa chamar-se efetivamente dessa forma. Por trás da impureza, o coração se dilacera, trôpego, com mórbidas ressacas empilhadas em cima de um móvel qualquer. “Nasci vampiro, cresci cowboy/ e hoje envelheço cavalgando de polvo em polvo até a última ventosa sugando network/desenvolvi vírus/ pra morrer aos pés dum cacto/ sangrando a boca de espinhos”.
‘Não precisa dizer eu também’ vem como uma canção rock bêbada, madrugada afora. ‘The house of rising sun’, na versão inclassificavelmente rascante de ‘White Buffalo’ seria uma escolha acertada.
Nas chuvas que assolam Belém e a redimem do pequeno inferno diário olhar a janela é lembrar das palavras em cacos de Ishak.
‘Diz o quanto ainda te resta que eu te direi o que desperdiçar comigo’.
A poesia está logo ali na esquina. Acaba de dobrar o quarteirão. Caco Ishak vai atrás dela. A máscara cai mais uma vez. É inevitável e forçoso admitir. Caco Ishak não tem cura. É um romântico de fim de comédias hollywoodianas. Sorte dos leitores que certamente dirão que é preciso bradar ‘eu também’.
(Diário do Pará)
4 comentários:
Ismael Machado foi na mosca!
Só tenho lá minhas dúvidas se a afirmação do Ismael Machado sobre o Dalcídio Jurandir procede: expoente máximo?
Muito bom, as always
Sim, procede, Marise! Enquanto estiver chovendo por essas bandas, eu continuo lendo "chove nos campos de cachoeira". Parece que estou lá... Até gripei durante a leitura...
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