Fonte: Pagina|12
Dias de fortes emoções aqui na Argentina ultimamente. Diria melhor: um pouco mais fortes que o tradicional.
Da "folclórica" internação simultânea de arqui-inimigos no mesmo hospital - leiam-se a presidenta Cristina Kirchner e o jornalista Jorge Lanata - dias antes das eleições parlamentares no país (ocorrida neste domingo, 27) ao julgamento da Lei de Meios - aprovada na noite de ontem (29), depois de quatro anos e muita pressão contrária do Grupo Clarín - até a celebração dos 30 anos de democracia argentina, comemorada hoje (30), muita agitação se viu entre os "hermanos". Haja coração!
A presidenta, coincidentemente ou não, mas muito convenientemente, foi internada para uma cirurgia e precisa completar 30 dias de repouso. Para um país dividido em opiniões sobre o governo K., com alguma tendência para imagem negativa de Cristina, nada mal sua saída de cena, enquanto os candidatos da Frente para a Vitória buscavam garantir a prevalência governista no Parlamento. E sem Lanata a "toca o terror" pelo Grupo Clarín, melhor ainda a esta linha de peronistas. O jornalista, que já mudou de emissoras e linha editorial, precisou de urgente internação para cirurgia e segue por ali, quietinho. Sim, peronistas seguem em maioria. Eles são muitos, em diferentes frentes, ou listas - já que aqui já não se vota mais em partido ou político, como no Brasil, mas sim em lista.
Peronistas de diferentes linhagens lograram maioria nas mais recentes eleições, ainda que Buenos Aires siga a votar nos mais conservadores. Alguns deles comparáveis a bolsonaros da vida. Carrió, por exemplo, esteve ausente em algumas das principais votações, como a do voto jovem; proteção de terras; regulamentação do trabalho doméstico; identidade de gênero; e matrimônio igualitário, por exemplo. Pino segue mais ou menos a mesma perspectiva e, em alguns cartazes na rua, chegaram a comparar o voto nele ao voto em favor do Irãn.
Com um nível de organização e criatividade maior do que as que temos visto em Belém, a campanha na cidade de Buenos Aires seguiu seu curso tranquilamente, mas sem menos intensidade. Na sexta-feira anterior às eleições, por exemplo, não se encontrou casas de câmbio abertas, nem os famosos "arbolitos" na turística Florida (são chamadas assim as pessoas que ficam paradinhas, feito árvore, nos seus pontos ao longo da rua, repetindo, como robôs, que fazem câmbio de tais e tais moedas).
Pronto, daí foi partir novamente pra já acalorada discussão sobre a Lei de Meios, que estava em vigor pela metade há 4 anos. Sim, porque o Grupo Clarín, com mais de 200 concessões no país, pelejou tanto que conseguiu segurar dois artigos da lei. Mas só até ontem, quando a Corte Suprema declarou a total constitucionalidade da lei. Não, o grupo não está disposto a acatar a lei ainda.
A resistência do grupo Clarín fará parte das cenas dos próximos capítulos. Por ora, a torcida pela democratização dos meios de comunicação está em polvorosa. A porta do tribunal estava lotada durante o dia de ontem, com gente a entoar “gritos de guerra” e levantar bandeiras. Programas de televisão e jornais desde ontem não falam de muito mais coisa que isto. Ainda que hoje, dia 30, esteja também sendo celebrada a chega de Alfonsín ao poder, dando fim aos sete anos de ditadura na Argentina e início a governos democráticos. Pois é, este tema não figura entre as manchetes, ainda que esteja por ali por perto.