Março se aproxima. E o que me faz lembrar de que "março se aproxima" não são suas águas. É uma tormenta um pouco maior. É quando o Brasil chegará aos 50 anos da ditadura que golpeou toda a sociedade, ou pelo menos a maior parte dela. E é também quando se contabilizam os 38 anos do terrorismo de Estado que igualmente estraçalhou a Argentina. O país vizinho que, por vários anos, foi tido como um pedaço da Europa na América Latina se adiantou infinitamente mais que o Brasil no processo de recuperação de suas estruturas, de sua história, de sua firmeza nos enfrentamentos políticos e na judicialização dos crimes.
Uma das situações que me fez lembrar disso, pela enésima vez, sei lá, foi o anúncio de que, neste mês de março, a Argentina vai disponibilizar à sociedade documentos significativos do período da ditadura e que foram encontrados jogados às traças num sótão. O que mais me chamou a atenção foi o intervalo de tempo entre o dia em que os hermanos se depararam ocasionalmente com os documentos e o dia em que vão disponibilizar ao público, já limpas e digitalizadas: três meses. Três!
“A partir de marzo, cuando se cumplan 38 años del último golpe de Estado, la documentación secreta de las juntas militares encontrada por el Gobierno en el subsuelo del Edificio Cóndor será exhibida para que ´la sociedad constate cómo el poder militar estaba subordinado al poder económico´". - toda a notícia no jornal Página 12
Quem trabalha com este tipo procedimento sabe que, três meses, é pouco tempo. Há, portanto, que ter atitude política, além de dinheiro pra garanti-lo
Pois é... e o Brasil? Como anda a quitar seus débitos com a história? Como anda a Comissão Nacional da Verdade, que pediu prorrogação dos dois anos de atividade em que já está metida? Que temos de concreto às mãos da população? Ainda que seja parcial. Como andam as mobilizações regionais, estaduais, locais? Já temos até material suficiente para uma séria investigação sobre desaparecidos na democracia, mas não temos responsabilidade com os que sofreram há 50 anos?
“O Instituto de Segurança Pública (ISP) do Estado do Rio de Janeiro
reconhece que o desaparecimento de pessoas assumiu viés de alta desde o
início dos anos 1990. Em 1991 foram registrados 2.616 casos. Em 2003, o
número pulou para 4.800 desaparecidos, e depois de uma queda de 19,4% no
governo de Rosinha Garotinho – foram 3.877 em 2006, recuperou o fôlego
no governo Cabral quando os sumiços aumentaram 32%.” - toda a notícia na Agência Pública.
Desculpem a amargura, leitores. Às vezes é difícil contê-la.
Um comentário:
Siempre regando un decierto, me cae tan bien usted...
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