"Os sopros, os ventos...
Pneumas estão presentes nas divindades que explicam a vida.
Tenha bons ventos e boas histórias."
Antônio Corisco
- Nasci muito antes, com a escrita. Do contrário não haveria quem fizesse de suas ideias algo a ser estudado e conhecido – afirmou o historiador.
O filósofo e o historiador, religiosamente às sextas-feiras, encontravam-se em um bar para discutir os avanços dos estudos das respectivas convicções. O debate, é claro, era composto por afirmações sobre afirmações. Um tentando explicar o outro, e o outro tentando comprovar o um.
O filósofo acusava o historiador de ser uma mera invenção, uma falácia nascida do discurso e da escrita. Afirmava que a humanidade viveria muito melhor sem a história, sem o ‘’pesar de consciência’’ que ela traz.
- Imagine. Muito melhor seria viver sem ter que perder tempo comprovando tudo e todos. O passado não muda, a mente e as ideologias sim.
O historiador retrucava. Diz que a imutabilidade do passado é o que faz todos estarmos aqui, hoje, inclusive o próprio filósofo. O ‘’pesar de consciência’’ é somente a certeza do balanço feito das ações passadas, que são capazes de explicar o presente.
- A minha ‘’falácia’’ inventou Platão. A preocupação em preservar fez você poder entrar em contato com todos os escritos filosóficos disponíveis hoje. Para completar, não sobrevivo da escrita, e sim da produção do ser humano em todos os sentidos.
Muito era dito naquela mesa ao entardecer de sexta-feira. Em alguns minutos concordavam: seus estudos são capazes de destruir o mundo, bastam que queiram. Tão quanto qualquer outro poderio bélico.
- Pense comigo, filósofo. E se eu resolvesse dizer que toda a história da humanidade está errada? Índios não são índios ou europeus, na verdade, são africanos. Eu destruiria a humanidade.
- E se eu, historiador, dissesse que a ciência nunca existiu. Que a medicina ou a engenharia estão erradas. Curam-se pessoas e fabricam as coisas do avesso. A mente de cada um explodiria
Os momentos de sorrisos eram poucos, logo a discordância voltava. Um assumindo a paternidade do outro.
- Existe a filosofia da história. Logo, minha disciplina rege o andamento da sua.
- Verdade, mas esqueceu que existe a história da filosofia? A minha disciplina foi responsável pela sobrevivência da sua ao longo do tempo.
Já se passaram horas desde o início da discussão. O único que detinha o poder de encerrar a conversa era o garçom Xexéu. Já era tarde quando este resolveu trocar o canal da televisão do bar, modificando o intelecto dos pensadores e suas pneumas, provocando a seguinte pergunta entre eles:
- Mas afinal, pra que time torces mesmo?
O autor é Bento Guajará é filho de Labareda, do bando de Corisco
4 comentários:
Roger, continue tendo "bons ventos e boas histórias", conforme o mote do Corisco.
Discussões dessa natureza, do Pata Rabuda - independente do resultado - é como a apreciação do bom futebol, que desconhece as cores particulares de cada time para reter tão somente os elementos-chave do grande espetáculo: a finta, o lançamento, o gol, entre tantos itens a apreciar, degustar.
Nós, sua plateia, gostamos é disso: degustação das palavras, não importa o molho que dá lhe sustentação...
Conheço bem essas conversas de intelectuais de mesa de bar muito bem. Pata Rabuda, bar do Branco (meu tio), Quiosque da Pça da República, etc.. O mais legal é (ou era) o exercício democrático do uso da palavra: todos opinam, defendem suas "teorias", independentemente de ter ou não domínio no tema. Às vezes sinto uma pontinha de saudades.
Meu caro Abel, esse encarte verbal de nossas sexta-feiras-santas é que nos desescraviza do cotidiano. Quando João Pedro (Bento Guajará), escreveu esse tema, sabia que por lá que o pai estava discutindo filosofia e futebol. Ele escreveu para mim como quem escreve uma carta de amor, por isso publiquei aqui. O que gostei mesmo foi quando o garçom entra em cena. Nada como um bom garçom para mudar o rumo da prosa e revermos o valor do populismo sedimentado no fundo de um copo de cerveja.
Petrus, precisamos nos rever para estas conversas e discussões saboreadas por cervejas e uisquisito com muita "pneuma". Vale Lembrar também que João Pedro é o autor da prosa. Eu só fiz publicar.
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