sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Nove assassinatos e uma morte


Nas periferias o ovo da serpente há muito já deu cria
Elias Pinto, jornalista.


O sol, que aurora entre Guamá e Terra Firme, bebeu a hemoglobina evaporada das ruas e canais, deixando aquela manhã ruborizada.
Reconheci na televisão uma técnica de enfermagem chorando. Era Rosa e o filho mais velho, que acabara de largar os ossos pelo chão. Era o quarto daquele morticínio.

-Virou anjinho lá no céu. Disse a mãe para o irmãozinho mais novo, de 3 anos.

Os outros dois, um casal, sabiam da verdade e ficaram meditando na saída do rabecão, a pedido da mãe.  Aquela verdade foi bala perdida. Era meia-noite e ele estava dormindo quando o Lobisomem, pela rua, chegou disfarçado numa Ponto 40. Bala achada debaixo da cama.

-Mas ele tinha apenas 16 anos! Exclamou o repórter.

Com olhos cerrados, o repórter presta um minuto de silêncio. A TV fica em silêncio. A cidade soluça, em silêncio. Vi-me vazio, em silêncio, e todo o céu pesado.

O repórter andou pela vizinhança: - "Num" sei. Chegaram disparando! Era barulho doido.

O repórter foi até a ronda. O policial disse:- "Briga de gangues. Espaço pelo tráfico."

O repórter foi até o Comando Geral: disseram que iam investigar milícias.

Um militante de direitos humanos se meteu na frente das câmeras e disse: Candelária! Carandiru!

O governador estampa no Jornal: “tudo está tranqüilo”.

Dias depois Rosa, com olheiras, mirou a penicilina na veia e acertou a artéria. Foi a primeira morte.
Labareda, do bando de Corisco

3 comentários:

Dudu Neves disse...

Borges, digo Roger. magnético!!!!

Valéria Normando disse...

...encarar esta como uma rotina dos últimos tempos...

Geraldo Roger Normando Jr disse...

"Diríase que la humanidad precisa este poema sulpultado y tardiamente exhumado", disse Borges em "La sepultura".