Nas periferias o ovo da serpente há muito já deu cria
Elias Pinto, jornalista.
O sol, que aurora entre Guamá e Terra Firme, bebeu a hemoglobina evaporada das ruas e canais, deixando aquela manhã ruborizada.
Reconheci na televisão uma
técnica de enfermagem chorando. Era Rosa e o filho mais velho, que acabara de largar os ossos pelo chão. Era o quarto
daquele morticínio.
-Virou anjinho lá no céu. Disse a mãe para o irmãozinho mais
novo, de 3 anos.
Os outros dois, um casal, sabiam da verdade e ficaram
meditando na saída do rabecão, a pedido da mãe. Aquela verdade foi bala perdida. Era meia-noite
e ele estava dormindo quando o Lobisomem, pela rua, chegou disfarçado numa Ponto 40. Bala achada debaixo da cama.
-Mas ele tinha apenas 16 anos! Exclamou o repórter.
Com olhos cerrados, o repórter presta um minuto de silêncio. A TV fica em silêncio.
A cidade soluça, em silêncio. Vi-me vazio, em silêncio, e todo o céu pesado.
O repórter andou pela vizinhança: - "Num" sei. Chegaram
disparando! Era barulho doido.
O repórter foi até a ronda. O policial disse:- "Briga
de gangues. Espaço pelo tráfico."
O repórter foi até o Comando Geral: disseram que iam
investigar milícias.
Um militante de direitos humanos se meteu na frente das câmeras
e disse: Candelária! Carandiru!
O governador estampa no Jornal: “tudo está tranqüilo”.
Dias depois Rosa, com olheiras, mirou a penicilina
na veia e acertou a artéria. Foi a primeira morte.
Labareda, do bando de Corisco
3 comentários:
Borges, digo Roger. magnético!!!!
...encarar esta como uma rotina dos últimos tempos...
"Diríase que la humanidad precisa este poema sulpultado y tardiamente exhumado", disse Borges em "La sepultura".
Postar um comentário